Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 11 (1991: 3)


 

METODOLOGIA DA HISTÓRIA, ANTROPOLOGIA FÍSICA E O ESTUDO DE TRADIÇÕES DE RELEVÂNCIA MUSICOLÓGICA EM ALAGOAS

Antonio Alexandre Bispo

(Excertos)

 

Se o Nordeste do Brasil é, no seu todo, região privilegiada pela riqueza de suas tradições, Alagoas é, dentro dele, área em que essas se apresentaram quase até o presente em máxima concentração e intensidade, permitindo mais do que em muitos outros casos o estudo da unidade cultural na variedade de expressões culturais hoje ainda constatadas.

A riqueza do patrimônio cultural tradicional de Alagoas, sensibilizando estudiosos que o viveram na quase integralidade de seu contexto e suscitando a realização de estudos, é, portanto, de alto interesse não somente para o Brasil como para todo o mundo de língua portuguesa.

O estudo dessas tradições é sempre de fundamental interesse histórico, independentemente do pêso dado à investigação de documentos do passado, à questão de suas origens e à interpretação de sentido e conteúdo segundo as várias correntes de pensamento científico.

Se por um lado o estudo particular do fato observado no presente pode contribuir para a elucidação de dados documentais relativos a expressões culturais do passado, a respeito das quais os documentos dão notícias, por outro lado a visão estabelecida do desenvolvimento histórico em geral condiciona a interpretação do fato ainda hoje presente.

Instituto Arqueologico e Geografico de AlagoasA discussão de questões relacionadas com a interpretação da história não é recente em Alagoas. Em 1875, Roberto Calheiros de Mello, Presidente do então Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano (Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano 8, 1876, 223), afirmava:

"(...) para que a história (...) reproduza a imagem com todas as suas côres, com todos os seus contornos, é mister que repouse em tradições fieis, em documentos autheticos."

João Francisco Dias Cabral, secretário daquela instituição, porém, já se preocupava com uma visão crítica e social da história:

"(...) mais aceita o tempo as parvoiçadas laudatorias das influencias de momento, do que as investigações perscutadoras de actos mal julgados senão até esquecidos. Em quanto predominar a theoria das fatalidades, reduzido nos successos o agente é mero instrumento providencial, assim será, porque ficarão sem ligação os factos, cabendo ao historiador narrar mas não analysar, referir mas não inferir. É commodo o processo porque apouca a observação e dispensa as canceiras do pensamento, mas é cruel porque expelle a historia do sanctuario da sciencia, roubando (...) á humanidade o laço de sua fraternidade. / Não é concepção de cerebro doentio a lei da evolução social." (op.cit. 224)

Taciano Accioli Monteiro LuzamericaEm 1947, o alagoano Dr. Taciano Accioli Monteiro, em singular conferência oferecida à Sociedade de Geografia de Lisboa (Luzoamerica: Brazil, Rio de Janeiro: Pongetti) advertia:

"(...) quem pretender escrever sôbre assunto que se acha no dominio da História deve ter bastante cuidado para escrever as possibilidades logicas e não aceitar absurdos que são incompativeis com os acontecimentos. / Na História de nossa Pátria, ha pontos que se ressentem de taes asserções. Todavia, porém, sao pontos que vão sendo corregidos, graças aos escritores ponderados que lêem os acontecimentos históricos, conduzidos não só pelos documentos, como também pela logica a que conduz o bom senso." (págs. 8-9)

Esse autor teria observado a existência de três qualidades de historiadores:

"Uns escrevem-n‘a (a História), revelando sympathia tendenciosa e que terminam sempre apaixonadamente, com um completo descaso pelos documentos. Estes produzem, na Historia, fantasias, não possuem nenhum escrupulo, não os escritores mendazes, falsarios e oppobriosos; outros são meramente copiadores, sem nenhum estimulo para pesquizar a verdade dos factos historicos. O que foi escrito certo ou errado, elles copiam. Desta qualidade são escritores inertes que não amam o que escrevem; fazem, antes, obra de fancaria. E os escritores da ultima qualidade são aquelles escrupulosos, cheios de dedicação, e que nada escrevem, sem um estudo minucioso em pesquiza de documentos formalisticos e categoricos, buscam a verdade dos factos historicos bem comprovada, querem que do pensamento que escrevem seja emanada a justiça que é a applicação do Direito (...)." (pág. 75)

Os problemas que se impõem no presente parecem exigir uma correçãp dessa colocações do autor alagoano: usando de suas palavras, poder-se-ia dizer que, se não a procura do Direito, pelo menos uma certa indignação de caráter social-justiceiro parece ter levado à "sympathia tendenciosa" que deu origem a considerações históricas "fantasiosas", não se colocando indiscriminadamente em questão a boa fé de estudiosos. Como, porém, a "sympathia tendenciosa" nasce sobretudo da experiência de situações percebidas como socialmente injustas no presente, são não tanto os documentos históricos mas sobretudo as tradições ainda vivas que passam a servir como instrumentos de demonstração de convicções pré-estabelecidas. A visão histórico-social "fantasiosa" assim criada passa a ser assimilada por estudiosos representativos da segunda categoria designada pelo autor alagoano, ou seja, por aqueles que não tiveram a possibilidade de observar e viver intensamente os fatos tradicionais no seu contexto original e que "copiam" as explicações dadas. Extrapola-se portanto as interpretações ilustradas através da valorização de fatos empiricamente conhecidos para além dos limites do campo de observação, transformando-as em modêlos de esclarecimento de processos histórico-sociais abrangentes, com validade para todo o Brasil, quiçá para todo o mundo de língua portuguesa.

Também a música passa a ser meio e objeto da História assim criada. O estudo das tradições encontradas sobretudo no Nordeste, - em Alagoas especialmente -, e o constante exame de suas premissas tornam-se portanto imprescindíveis para todo o estudo da cultura no mundo de língua portuguesa. Quanto ao estudo das tradições, essas não podem ser consideradas exclusivamente do âmbito do Folclore, caso este conceito seja compreendido superficialmente. Quanto às premissas teórico-científicas de seu estudo, essas exigem constante exame das diferentes correntes de pensamento nas várias áreas do conhecimento.

No caso de Alagoas, impõe-se a consideração especial do campo de influências intelectuais determinado respectivamente por 1) Pernambuco e 2) Bahia.

 

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