Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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No. 86 (2003: 6)


 

    Entidades promotoras
    Akademie Brasil-Europa
    I.S.M.P.S. e.V./I.B.E.M.: Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes/Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos
    ACDG: Associação Cultural Cante e Dance com a Gente (Novo Hamburgo RS)

    Direção geral
    Dr. Antonio A. Bispo

Da recepção no I.B.E.M.
© Foto: H. Hülskath, 2002
Archiv A.B.E.-I.S.M.P.S.

 

MOBILIDADE NA HISTÓRIA DA MÚSICA:
MOVIMENTOS HORIZONTAIS E VERTICAIS NO PROCESSO DE CRESCENTE URBANIZAÇÃO

[trechos de conferência proferida na sessão do Congresso de Estudos Euro-Brasileiros organizada pela FESB, em Bragança Paulista]

Antonio Alexandre Bispo

 

(...)

A respeito do passado musical de Bragança Paulista, realizei estudos a partir de meados da década de sessenta, quando organizava o Centro de Estudos em Musicologia da Sociedade Nova Difusão Musical em São Paulo, fundado em 1968, hoje Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos. Os materiais levantados foram suscintamente considerados na minha tese de doutoramento apresentada em Colonia, em 1979 e dedicada à música sacra na Província de São Paulo à época do II° Império. O meu intuito na época foi sobretudo o de estudar as transformações da prática musical nas igrejas da Província e das concepções relativas à sacralidade da música, ou seja, a gradual substituição da tradição da música sacra com acompanhamento orquestral por coros a capela ou com acompanhamento de harmônio ou órgão segundo os ideais do movimento de reforma da música sacra. Para isso, procurei levantar e estudar redes de contatos entre músicos das várias cidades, assim como a difusão de repertórios e respectivas correntes estilísticas e estéticas.

Nesse quadro geral da difusão cultural, do intercâmbio entre as localidades e da renovação do repertório, a cidade de Bragança assumiu um papel não sem importância, sobretudo no decorrer da segunda metade do século XIX. A principal razão desse papel relevante desempenhado por Bragança Paulista na dinamização e intensificação dos contactos musicais entre as várias cidades do Estado residiu sobretudo nas facilidades trazidas pela construção da Estrada de Ferro Bragantina. A construção dessa via férrea que ligava a região à estação de Campo Limpo, no quilômetro 128 da São Paulo Railway Company, e, portanto, a São Paulo e ao porto de Santos, procurava facilitar o escoamento de mercadorias e, ao mesmo tempo, fomentar o desesenvolvimento dessa zona do Estado até a divisa de Minas Gerais. A sua construção foi determinada em 1872 por lei provincial e o primeiro trem atingiu a cidade em 1884. Essa estrada marcou geo-politicamente e culturamente a região, trazendo modificações no concernente aos vínculos entre as localidades, uma vez que esses, até então, tinham sido determinados por antigos caminhos que remontavam ao período colonial e que diferiam em parte, no seu traçado, daquele da via férrea.

O desenvolvimento econômico da região já tinha há muito possibilitado um florescimento cultural e também musical da cidade. À época da contratação da linha, ou seja, no início da década de setenta, o principal vulto da vida musical bragantina era o de Daniel da Silveira Vasconcelos, o mestre da Orchestra Bragantina. Era uma das personalidades importantes da cidade, digno de ser salientado no rol dos nomes influentes da comunidade bragantina nos renomados Almanaques da Província. Essa orquestra era responsável pela música sacra nas igrejas da cidade, de renome no interior da Província pelo aparato das solenidades. A vida católica da cidade era marcada pela personalidade influente do Padre Ezequias Galvão de Fontoura.Tradicionalmente, como em outras cidades do Interior de São Paulo, o ponto alto do ano religioso era a Semana Santa. A orquestra também atuava em ocasiões festivas da vida social da comunidade.

À época da chegada dos trens, ou seja, em meados dos anos 80, a Orchestra Bragantina passou a ser dirigida sobretudo por Francisco de Souza Dias Guimarães. Seria interessante saber se esse maestro tinha ou não relações de parentesco com João Manoel Vieira Leite Guimarães, uma das influentes personalidades de Bragança que, juntamente com vários Coronéis, assinaram o contrato de construção da via férra com o govêrno provincial.

É importante salientar que a inauguração da via férrea marcou uma era de euforia pelo progresso e desenvolvimento da vida social e pública. Sob o aspecto musical, teve a sua expressão maior no desenvolvimento das bandas de música. Desde o término da Guerra do Paraguai houve um surto de corporações musicais civís em várias cidades da Província. A politização da vida do país e o crescente partidarismo levavam à formacão de pelo menos duas bandas em cada localidade, uma representante do Partido Conservador, outra do Partido Liberal. A concorrência entre as corporações, com implicações políticas, exigia procura de popularidade e aperfeiçoamento técnico-artístico, determinando compra de novos instrumentos e renovação de repertório. O intercâmbio de músicas com corporações do mesmo partido de outras localidades, a visita de regentes e bandas de mesma orientação política contribuíam para um aceleramento das transformações culturais e um maior estreitamento de laços entre as diversas comunidades.

Banda de música de Joanópolis, reg. J. Toledano
Congresso de Estudos Euro-Brasileiros 2002
© Foto: H. Hülskath, 2002 - Archiv A.B.E.-I.S.M.P.S.
Em Bragança, as principais bandas da década de 80 pertenciam ao Club Musical 15 de Outubro e ao Club Musical Lyra de Apollo. Presidente do 15 de outubro era, em 1890, Hermógenes Horácio de Paiva, o do Lyra de Apollo, Gustavo Moreira. Sobretudo Hermógenes Horácio de Paiva alcançou renome em várias cidades do interior e na própria capital.

Sabe-se que esse maestro possuiu uma vasta coleção de partituras e que adquiria obras impressas, em geral música de salão para piano, transcrevendo-as para banda. Essas instrumentações eram, por sua vez, levadas a outras regiões do Estado. Este foi o caso da Marcia Militare Alessandria, de 1892, vinda da Itália. Entre as mais famosas composições de Hermógenes Horácio de Paiva, cujos nomes pudemos levantar, citamos a Polka Entrevistas, a Marcha Fúnebre, o dobrado La Facenda, muito difundido, tocado por exemplo em Araçariguama, pela banda de Benedito de Morais, em 1903, e o dobrado O Perigo, de 1913. Das peças de outras localidades que costumava executar citamos o Dobrado Silvino Rodrigues, de Santana do Parnaíba e Cabreúva, o dobrado Jorge Fonseca de J. Nascimento, o dobrado 15 de novembro, de Antonio de Arantes Bueno, proveniente de Jaguari, de 1890, e o dobrado Último adeus, de autor desconhecido. Entre as muitas valsas que então encantavam a população bragantina nas retretas de Hermógenes de Paiva citamos a Valsa Bragantina, a valsa Separação de Amigo, dedicada a seu amigo José Benedicto, a Valsa Bragança, de 1913, composta por João de Deus, a Valsa Mulata e a Valsa Benedito de Souza. Também costumava fazer arranjos de valsas de autores populares e eruditos, como a da Valse Lente de Henrique Oswald.

A última década do século XIX, ou seja, o início do período republicano, foi marcado em Bragança por um grande desenvolvimento da música para piano. Estudar piano parece ter sido também em Bragança uma exigência na educação de filhas de famílias bem situadas socialmente. Entre os professores de piano de Bragança da época, os mais renomados foram Antonio R. da Fonseca e o italiano Alfredo Alberti. Cumpre mencionar também, que foi no ensino de piano que as mulheres mais facilmente puderam exercer uma atividade profissional. Entre as professoras de piano de Bragança do início de 1890, citamos os nomes de Francisca de Amorim e Regina de Toledo.

Com a via férrea, Bragança passou a ter vínculos mais estreitos com outras localidades possuidoras de estações e sobretudo com Jundiaí, ponto final da São Paulo Railway. Em Itatiba havia uma das mais renomadas bandas da região, a Sociedade Musical Lyra Itatibense, regida por Miguel Cardoso Rebello. Em Jundiaí atuava em fins dos anos oitenta Joaquim Romão da Silva Prado, músico de banda e compositor, que por sua vez tinha contactos com a região de Itú e Cabreúva. Na área da música de igreja, cita-se sobretudo José Correa da Silva, vulgo Juca Bolinho, mestre de origem social muito simples que organizava musicalmente as festas de Pirapora de Bom Jesus, importante centro de romarias do Estado. Ele foi autor de numerosas peças, tais como a mazurka Lua atrás da torre, dedicada ao Conêgo Anscário Correa, de Jundiaí, a valsa Porque estás triste, dedicada a Santana do Parnaíba, a peça Cinema Rink e a canção Votos de Felicidades.

Juca Bolinho ocupa uma posição singular no processo da reforma sacro-musical do Interior de São Paulo. Procurando estar à frente do desenvolvimento das idéias e do repertório, indo também de encontro aos intentos do clero, copiava e adquiria obras de compositores italianos, alemães e brasileiros envolvidos no movimento de renovação da música nas igrejas com base nos ideais preconizados e que defendiam sobretudo a abolição do acompanhamento instrumental, da música de cunho teatral e lírico, de expressões profanas e que preconizavam um estilo baseado nos antigos mestres, sobretudo em Palestrina. Juca Bolinho, porém, arranjava essas obras de acordo com a tradição da música de banda, o que era, naturalmente uma contradição. Entre os seus trabalhos, citamos a música para o mês de Maria com banda e saxofones solistas, o arranjo de um Salutaris do Padre. J. Batista Siqueira, de 1909, de várias jaculatórias, ladainhas, etc. Realizou orquestrações de obras de Perosi e do Padre Pedro Rota, um Salesiano que publicou composições que foram difundidas pela Revista Santa Cruz, de Haller e do mestre-capela de São Paulo, Furio Franceschini. Juca Bolinho também copiava obras muito mais antigas de Semana Santa, mantendo assim a continuidade da tradição, apesar de todas as modificações que fazia.

Através de Jundiaí, Bragança mantinha portanto vínculos não apenas com os centros principais da música sacra dessa região, como Itú, onde atuavam os renomados Maestros Elias Álvares Lobo e Tristão Mariano da Costa, como também com a esfera social mais simples de músicos de igreja, em geral de cor, como Manoel dos Passos, cujas obras religiosas refletem a influência da música de banda e da música popular da época. Até que ponto o estabelecimento de vias férreas facilitou a deslocação de músicos e professores fica evidente no caso do professor de piano João Firmino de Araújo que ensinava em 1885 em Mogí Guaçú e Mogí Mirím, em 1887 em Jundiaí.

Os elos musicais de Bragança com Atibaia baseavam-se em antiga tradição. As principais corporações dessa cidade eram a Sociedade Musical de Atibaia, dirigida no início da década de setenta por Hilário Beraldo de Vasconcellos, mais tarde conhecida como Sociedade Musical Atibaiana, cujos mais renomados músicos dos anos oitenta foram João Pedroso de Morais, Antonio Ramos da Fonseca e José Antonio de Camargo. Entre as obras de Atibaia também executadas em Bragança citamos a Polka Lundu, de 1878, de autoria de João Pedroso de Oliveira Moraes. Na estação de Santo Antonio da Cachoeira, hoje Piracaia, o mestre-capela e de banda Samuel Augusto da Cunha Freire foi a principal figura da vida musical nos últimos anos da Monarquia.

Em várias localidades do Estado, os chamados Clubes Democratas tornaram-se centros da vida social e musical. Este foi o caso, por exemplo, do Club Democrat de Serra Negra, dirigido por Carlito Fagundes. Em Socorro, os principais músicos da época foram Anacleto Olindo de Camargo e Francisco A. Pulino. Uma particular menção deve ser feita a Amparo, com as suas renomadas corporações Euterpe Amizade, Sociedade Musical Sant‘Anna da Pedreira, Euterpe Amparense e Artística Amparense. Lá atuou também, entre muitos outros, o professor de piano alemão Theodor Jahn, renomado em várias cidades do Interior do Estado, assim como o compositor e futuro governador do Estado, Carlos de Campos (1866-1927).

Um dos grandes músicos de banda que permaneceu sempre vinculado com Bragança Paulista foi Veríssimo Augusto Glória. De origem social modesta, tornou-se um dos principais líderes musicais de irmandades de pessoas de cor da Capital, tais como a Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios, e um dos mais renomados músicos de banda da primeira metade do século XX. A banda do Veríssimo era conhecida não apenas em São Paulo como também em várias cidades do interior, entre elas Bragança, onde muitas vezes atuou por ocasião das grandes festas. Já em 1900 tocava-se nessa cidade, por ocasião do carnaval, o Tango Fenianos, de Verissimo Gloria.

(...)

 

Alguns textos dos anais do Congresso foram publicados em:/Einige Texte der Annalen des Kongresses wurden veröffentlicht in:
Musik, Projekte und Perspektiven. A.A. Bispo u. H. Hülskath (Hgg.).
In: Anais de Ciência Musical - Akademie Brasil-Europa für Kultur- und Wissenschaftswissenschaft. Köln: I.S.M.P.S. e.V., 2003.
(376 páginas/Seiten, só em alemão/nur auf deutsch)
ISBN 3-934520-03-0

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