Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados


»»» impressum -------------- »»» índice geral -------------- »»» www.brasil-europa.eu

N° 31 (1994: 5)


 

Foto A. A. Bispo. Acervo I.S.M.P.S. e.V.

1994: 100 anos de Renato Almeida

Ciclo de estudos

Música nas relações culturais euro-brasileiras

Sistematização e integração dos estudos culturais

- Amazônia e Brasil Central -

projeto do ISMPS e.V. /I.B.E.M.
com o apoio de diversos órgãos oficiais e particulares, universidades e museus
desenvolvido concomitantemente com o
projeto
As culturas musicais indígenas no Brasil
do
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien
realizado com o apoio do
Serviço das Relações Exteriores da Alemanha
sob a direção de

A. A. Bispo

Roraima

agradecimentos

Biblioteca do Estado
Diocese de Roraima
Universidade Federal de Roraima
Instituto de Antropologia
Escola de Música
Conselho Indigenista Missionário CIMI-Norte
Associação do Índio
Comunidade Makuxi-Fazenda São Marcos

 

RORAIMA NA MUSICOLOGIA

(anotações de aula)

Antonio Alexandre Bispo

(partes)

 

(...)

O significado dos relatos de Th. Koch-Grünberg reside sobretudo nas suas descrições da Parischerá (Parixera, Parishara, etc.). Uma menção mais antiga encontra-se em E.F. i.Thurn, curador do Museu de Georgetown. J. William relaciona esta dança com uma dança em honra da Maraca, ou seja, a coloca em um contexto de cunho religioso que é de fundamental importância para muitos povos indígenas da América. Mesmo que esse relacionamento não seja corroborável à primeira vista, não se pode deixar de constatar o significado dessa cerimônia festiva para uma visão do homem e do mundo dos índios de Roraima e que poderia ser qualificada de musical. Assim, em estudo de Walter E. Roth encontra-se uma "Parishara song" que fala de numerosos instrumentos musicais.

Segundo as informações obtidas em São Marcos, a Parischerá era dançada em ocasiões festivas, durante as quais se consumia muito o caxirí (ou pariquari, parakari). A dança consistia - segundo a memória dos informantes - na formação de um círculo, no qual participavam homens e mulheres, crianças e adultos, e que realizavam movimentos para frente e para trás. Todas as danças eram executadas sobretudo no mês de dezembro, pelo que tudo indica no contexto de festas do Natal, o que já denota ser resultado de trabalho missionário.

Koch-Grünberg observou um cortejo de Parischerá, no qual os participantes ainda se comportavam de forma tradicional:

Theodor Koch-Grünberg dá uma outra descrição dea Parischerá entre os Taulipangs do monte Roraima:

Theodor Koch-Grünberg descreve também a dança Parischerá entre os Wapixanas:

Os Ingarikó merecem uma atenção especial neste contexto, uma vez que na área da Serra do Sol sobreviveram algumas casas-de-dança. O significado dessa casa na antiga ordem comunitária e no contexto cultural pode ser vista já no fato de situar-se próxima da casa do cacique. A tribo encontra-se em contacto com Makuxís das aldeias Caracana, Monte Mopriá e Pedra Preta. Durante as festas, realizam a dança Aleluia junto com os Makuxís da aldeia Caracana, a qual ainda é mantida com orgulho. Essas danças comunitárias, parte integrante do culto, duram noites inteiras.

Tudo indica que os costumes festivos indígenas tradicionais dessa região foram cristianizados no processo missionário. As descrições pormenorizadas mais antigas conhecidaas de festas similares da Guiana, com muito uso de caxiri, são aquelas de Cäsar Famin, publicadas em alemão, em 1839. Segundo ele, elas eram realizadas após expedições realizadas com sucesso e acabavam, entre os Arawaken, com o devorar dos aprisionados:

A fascinação, que a música, os instrumentos musicais e os aparelhos de gravação dos europeus ou brasileiros exercem sobre os índios também contribuíram para que as tradições enfraquecessem. Assim, o General C.M. Rondon parece ter utilizado esse interesse musical para ganhar a simpatia dos índios, dando aos Makuxís, além de uniformes, instrumentos de banda. Também Theodor Koch-Grünberg menciona o fato de que os índios gostavam de ouví-lo cantar, utilizando-se das roupas dadas por ele nas suas danças:

Um outro problema para a sobrevivência da música tradicional dos Makuxís reside no relacionamento íntimo entre o canto e a religião. A garantia da tradição musical é principalmente o pajé, que desempenhava ao mesmo tempo o papel de curador e de mentor da comunidade da aldeia. Com a catequese, sobretudo com a penetração de missionários protestantes vindos da Guiana, os pajés perderam muito em autoridade. A sua própria existência foi colocada em questão, sobretudo quando as práticas de cura por ele exercidas passaram a ser substituidas pela medicina.

Da primeira missão evangélica entre os índios da Guiana sob Theoph. Sal. Schumann tem-se referências a respeito das concepções religiosas dos índios e do papel dos pajés e da música:

Theodor Koch-Grünberg dá testemunho do significado do canto nas práticas de cura dos médicos nastivos, em particular de um famoso advinho dos Taulipángs, de nome Katúra:

Para a divulgação de música não-indígena entre os índios da região muito contribuiu a educação a eles dada a partir da década de vinte. Já no tempo de Koch-Grünberg, as crianças Makuxís da aldeia Koimélemong haviam aprendido cantos europeus ensinados pelos beneditinos da missão católica:

Nos anos setenta, o Govêrno tomou a si a rede escolar. Apesar de que uma parte importante do corpo docente ser indígena (ca. de 60%), tudo indica que pouco se utiliza o patrimônio musical nativo.

Um dos principais problemas da sobrevivência do canto tradicional dos Makuxís parece residir no relacionamento estreito entre o canto e o idioma. Até há pouco, a língua Makuxí era vista pelos habitantes de Boa Vista como "gíria", sendo assim desconsiderada. Sobretudo nas aldeias das terras do lavrado, essa desvalorização da língua trouxe conseqüências para a sua utilização; nas aldeias da serra ela conservou-se melhor. Nos últimos anos, a língua Makuxí passou a recuperar-se, surgindo como 'lingua franca', ao lado do português e do inglês.

As perspectivas músico-culturais dos Taulipángs são ainda mais incertas do que entre os Makuxís e Wapichanas. Enquanto essas últimas tribos são marcadas em grande parte pelo catolicismo, os Taulipángs são influenciados pelos Adventistas e, assim, estão quase que totalmente submetidos ao repertório de cantos norte-americanos. Entre eles, apenas na aldeia Sorocaima há sobrevivência das antigas tradições.

Uma importante tarefa da pesquisa musical e de um trabalho cultural fundamentado cientificamente reside no auxílio dos índios que abandonaram as suas tribos e que agora vivem em Boa Vista. Um estudo recente salienta os problemas que surgem dessa vida entre culturas. O próprio Parischerá, por exemplo, pertence ao universo indígena que é abandonado na cidade. Antigamente, também ele pertencia ao "Folklore" da população miscigenada da capital, como o comprovam informações obtidas em Vista Alegre. O informante, cujo avô veio de Pernambuco e cuja avó era índia, aprendeu na sua infância a dansar o Parischerá no período natalino. Uma ocupação com as tradições musicais e com a dança indígena nas escolas e na Escola de Música de Boa Vista poderia amenizar os sofrimentos da adaptação, fazer com que os diferentes grupos da população melhor se aproximassem, contribuindo à harmonização das relações sociais e emprestado um cunho individual, próprio, inconfundível à cultura do Estado. Antes de tudo, porém, há aqui uma tarefa de cunho espiritual e, portanto, da Igreja.

Para Koch-Grünberg, somente os mitos oferecem a chave para o entendimento da dança indígena:

Conseqüentemente, segundo Koch-Grünberg, todas essas danças seriam originalmente meios mágicos para a obtenção de bons resultados na caça e na pesca. Essa opinião, porém não precisa ser necessariamente correta. Tudo indica que a chave para a compreensão mais profunda do significado dessas danças está na sua própria linguagem de imagens. Aqui dever-se-ia levar em consideração a possibilidade de existência de concepções tipológicas intrínsecas a tais representações, ou seja, que os tipo animalescos representados exteriormente apenas sejam indícios ou sinais de anti-tipos espiritualmente superiores, paradigmáticos. Deve-se salientar aqui que o relacionamento entre peixes e aves nessas concepções correspondem às noções bíblicas transmitidas pela Gênese e que parecem permitir uma possível harmonização de concepções e imagens indígenas e cristãs.

(...)

 

zum Index dieser Ausgabe (Nr. 31)/ao indice deste volume (n° 31)
zur Startseite / à página inicial