Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados


»»» impressum -------------- »»» índice geral -------------- »»» www.brasil-europa.eu

N° 72 (2001: 4)


 

Brasil 2000
Colóquio/Kolloquium

J.S.BACH-H.VILLA-LOBOS
Interpretações e Perspectivas do Barroco
Deutungen und Perspektiven des Barock

31. Mai - 2. Juni 2000

Akademie Brasil-Europa
ISMPS/IBEM

Direção científica/Wissenschaftliche Leitung: Dr. A. A. Bispo
Comissão organizadora/Organisation: Dir. Dr. H. Hülskath

 

em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:

Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
- Vorlesungsreihe Musik in der Begegnung der Kulturen -

 

HEITOR VILLA-LOBOS E O ESTUDO DAS RELAÇÕES CULTURAIS BRASIL-ALEMANHA

Exposição de documentos na Akademie Brasil-Europa por ocasião do Colóquio "H.Villa-Lobos und J. S. Bach", maio/junho de 2000

Dr. Antonio Alexandre Bispo

 

(Excertos)

O tema "Heitor Villa-Lobos e Johann Sebastian Bach", que coloca em discussão as relações entre um dos maiores compositores brasileiros e um dos maiores compositores alemães, diz respeito de forma evidente ao estudo das relações culturais entre o Brasil e a Alemanha. Esse contextualização mais ampla do tema foi porém até hoje insuficientemente considerada em estudos e ensaios. Tem-se tecido reflexões a respeito de "influências" de Bach na obra de H. Villa-Lobos, em geral a respeito de possíveis elementos inspirados em composições de Bach e reelaborados ou ambientados pelo compositor brasileiro. Este tipo convencional de abordagem não permite porém que se reconheça de imediato a extraordinária relevância do assunto para o estudo das relações culturais entre duas nações que particularmente se orgulham de sua cultura musical e que são vinculadas entre si por tão estreitos laços. O significado excepcional do tema evidencia-se sobretudo quando se considera a importância da colonização alemã em vários estados do Brasil e as múltiplas questões levantadas pelo confronto de culturas nas respectivas regiões, tais como as relativas aos problemas de adaptação, assimilação, integração, memória e identidade.

As tradições alemãs, a prática musical coral e de câmara e os repertórios cultivados pelos imigrados, que contribuiam fundamentalmente para a manutenção do sentimento comunitário, diferiam, sob muitos aspectos, daqueles da sociedade que os acolheu. Anseios harmonizantes, voltados ao enraizamento na nova terra, ao convívio pacífico e ao enriquecimento cultural mútuo tinham de manifestar-se sobretudo na vida musical. Por outro lado, a música constituia também o principal meio para a manutenção do idioma alemão e dos vínculos com a antiga pátria. Essa dicotomia agravou-se nos anos 20 e 30 do século XX com a propagação de tendências nacionalistas e com as tentativas de reconscientização teuta de grupos de antiga imigração. Esse desenvolvimento processou-se paralelamente à eclosão de sentimentos nacionalistas em meios políticos, intelectuais e artísticos brasileiros. Os receios que despertava a existência de núcleos populacionais de cultura e idioma próprios no Brasil já tinham levado durante a Primeira Grande Guerra a medidas restritivas que atingiram associações musicais alemãs e coibiram o cultivo do canto em alemão. Também no decorrer dos anos trinta e sobretudo durante a Segunda Grande Guerra verificaram-se, paralelamente ao fortalecimento ideológico nacionalista e nacional-socialista em grupos alemães no Brasil, reações contrárias do meio nacional brasileiro que atingiram por fim profundamente a vida sócio-cultural e musical dos imigrantes. O artigo de Mário de Andrade, "Teutos mas músicos" oferece importantes subsídios para a compreensão da situação conflitante então estabelecida. Esse desenvolvimento causado pela conjuntura política internacional veio abalar tendências culturais e sociais harmonizantes nascidas ou fortalecidas no período intermediário entre as duas Guerras e que foram de extraordinária, porém nem sempre reconhecida importância na história cultural do Brasil do século XX. é nesse contexto que deve ser considerado o "descobrimento" de Bach no Brasil e, consequentemente, o do relacionamento entre Villa-Lobos e Bach.

A razão pela insuficiente consideração desse contexto mais amplo no tratamento do tema reside no fato de se não ter dada a atenção merecida às relações de Villa-Lobos com a colonia alemã de São Paulo. Caiu no esquecimento o papel significativo desempenhado sobretudo pelo Coro Schubert nos concertos que marcaram época de H. Villa-Lobos na capital do Estado. Villa-Lobos dificilmente poderia ter realizado as apresentações de suas obras sem a colaboração desse conjunto coral, sem dúvida o mais capacitado na época. O trabalho com o compositor e maestro brasileiro abriu porém também para o Coro Schubert novas perspectivas de atuação e representou um marco nos esforços de integração, ou melhor, de harmonização das relações sociais intentado sobretudo por Martin Braunwieser.

Um documento significativo desse fato é a reportagem publicada pelo Diário da Noite, a 7 de agosto de 1931, cujo original, juntamente com a fotografia do Coro Schubert na época da atuação de H. Villa-Lobos, é exposta e elucidada na exposição.

"O admiravel coral que a colonia Allemã possue em S. Paulo: Criado, a principio, somente para o canto allemão, o Schubert Chor está, depois de ter participado dos concertos Villa Lobos, cuidando tambem da musica brasileira.

Há muito que sabiamos ter São Paulo um coral desde 1923, coral allemão de nome 'Schubert Chor'. Todavia, não possuiamos nenhuma informação do que elle tambem cuidase de disseminar os coros no Brasil e fomentar a cultura musical de São Paulo.

Soubemos agora que com a collaboração da Sociedade Symphonica de São Paulo, vae cantar onze themas folcloricos nordestinos colhidos por Mário de Andrade e harmonizados pelo maestro Arthur Pereira. A iniciativa nos parece da mais incondicional finalidade de melhoria. O orpheão, entre nós, só interessou quando o maestro Fabiano Lozano, hoje inspector de coros em São Paulo, trouxe para cá o admiravel Orpheão Piracicabano. Os outros córos, os do Conservatorio e os das Escolas Normaes, são de pouco interesse. Não porque não possam estes estabelecimentos organizal-os á altura do que a sua fama exige, mas porque o trabalho é arduo e a discipina escolaer é pouca no povo brasileiro.

Sobre o "Schubert Chor", fomos ouvir o director-fundador Martim Braunwieser, que é tambem, executante de viola.

"O Schubert Chor" - disse-nos elle - tem uma vida muito longa para ser relativamente tão pouco conhecido. Foi elle que tomou parte nos festejos de março do ano passado, em comemmoração ao centenario da morte do padre José Mauricio Nunes Garcia. Foi elle que sendo uma corporação da colonia allema levou a effeito concertos e córos de Villa-Lobos.

A princípio, o "Schubert" foi só creado para canto allemão, porque nósnão suppunhamos que houvesse material para tal applicação no Brasil. A bibliotheca coral allema é illimitada e nos, acostumados com a fartura, suppusemos que não nos fosse possivel sahir do ambito da nossa música psychologicamente nacional. Trouxemos algumas tradições do povo allemão: os cantos coraes da Paschoa e do Natal. E foi numa destas festas tradicionaes allemãs que divulgamos, em São Paulo, a "Paixão de São Marcos" do padre Perosi, o afamado mestre-capella do Vaticano.

Temos o maximo interesse em que os brasileiros adhiram ao nosso coral e criem outros como o nosso. O coral conta com cincoenta elementos e as difficuldades, dia a dia, diminuem, porque já possuimos muitos filhos de allemães que nos orientam na pronuncia de certos nomes que jamais poderiamos pronunciar bem. Isto constitue um bem enorme por que une os brasileiros com os allemães, realizando essa comunhão nas artes musicais."

Outro documento de importância para documentar o vínculo de H. Villa-Lobos com os meios alemães de São Paulo é a dedicatória que fez de sua peça "Cabocla de Caxangá", conservada nos arquivos do I.S.M.P.S. e.V.

(...)

 

zum Index dieser Ausgabe (Nr. 72)/ao indice deste volume (n° 72)
zur Startseite / à página inicial