Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 64 (2000: 2)


 

Congresso Internacional Brasil-Europa 500 Anos
Internationaler Kongreß Brasil-Europa 500 Jahre

MÚSICA E VISÕES
MUSIK UND VISIONEN

Colonia, 3 a 7 de setembro de 1999
Köln, 3. bis 7. September 1999

Sob o patrocínio da Embaixada da República Federativa do Brasil
Unter der Schirmherrschaft der Botschaft der Föderativen Republik Brasilien

Akademie Brasil-Europa
ISMPS/IBEM

Pres. Dr. A. A. Bispo- Dir. Dr. H. Hülskath

em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:

Deutsche Welle
Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien

 

UM ESTUDO SOBRE A POLIFONIA NA MUSICA
DE ALGUNS GRUPOS INDiGENAS BRASILEIROS

Maria Helena Rosas Fernandes
Campinas/São Paulo

 

Die Frage der Mehrstimmigkeit in der indigenen Musik Brasiliens ist bisher kaum untersucht worden. Der Komponist, der sich mit Indianer-Musik schöpferisch auseinandersetzen möchte und Tonaufnahmen abhört, stellt jedoch fest, daß es trotz des konstant erscheinenden Unisono am Anfang und Ende von kollektivem Singen auch Ansätze von Mehrstimmigkeit gibt, die sich in Gegenbewegungen, in Imitationen und in der Simultanität verschiedener Stimmen zeigen. Seit langem befaßt sich die Autorin damit, Beispiele hierfür zu sammeln und zu analysieren. Sie fand zwar keine allzu komplexen Gebilde, stellte jedoch fest, daß das Vorkommen von Mehrstimmigkeit keineswegs nur als zufällig anzusehen ist, sondern eher eine Freude am Kombinieren und Variieren offenbart. Die Untersuchung der Indianer-Musik kann nicht nur deshalb für das zeitgenössische Musikschaffen fruchtbar sein. Aufgrund ihrer Studien schuf sie selbst Kompositionen, die während des Kongresses aufgeführt werden.

 

Polifonia, sequndo o Dicionario de Tomas Borba e Fernando Lopes Graça (1965:392), é, em principio, a sobreposição de muitas vozes, ou muitos instrumentos, exprimindo cada qual suas idéias, quase sempre em ritmos diferentes. Uma sobreposição simples de duas vozes cantando a mesma melodia a intervalos diferentes, também é exempio de polifonia, como foi o Organum na Idade Média, quando duas vozes cantavam a mesma melodia a intervalo de quarta ou quinta, marchando por movimento direto.

Na musica indégena brasileira, o canto coletivo geralmente é feito em uníssono, ou combinando várias vozes. O coro tem, fatalmente, que começar em unissono, nas reuniões de indivíduos do mesmo sexo. A polifonia se esboça nos movimentos em oposição, imitação e na simultaneidade dos sons.

Um exempio de música indigena em que há pouquissimas manifestações polifônicas é a música dos índios Xavante do Mato Grosso. Geralmente, os seus cantos são feitos em unissono e sem acompanhamento instrumental, com exceção do chocalho. Há, porém, polifonia no "choro de alegria" , quando da visita de um parente há muito nao visto, um homem e uma mulher cantam juntos com quase independencia, tanto no ritmo como na melodia; ou numa outra forma de "choro de alegria" , quendo da chegada de uma pessoa muito querida pelo grupo, cada Xavante entoa com o grupo o seu proprio choro, e o resultado desta agregação é o caos.

Também na música Xavante não existe qualquer exemplo de música tocada com mais de um instrumento.
Porém, é na música dos indios Bororo do Mato Grosso, que encontramos os mais ricos exemplos de cantos a varias vozes, cantos estes que fazem parte importante das cerimonias festivas e fúnebres.

Na "Correspondência Musicológica" , N° 21-1/1993, Anais do 11 Congresso Brasileiro de Musicologia, consta um artigo de nossa autoria: "Questões relativas ao estudo da Polifonia na música Bororo" , em que citamos diversos exempios de agregações melódicas na música deste grupo.

Helza Cameu, em seu livro "Introdução ao Estudo da Música Indígena Brasileira" , (Cameu, 1977), tece diversas considerações sobre o assunto e observa que na musica primária, inclusive a do índio brasileiro, o canto a mais de uma voz é fenômeno comum, e áa diversos exemplos de cantos onde a polifonia é encontrada. Cita um canto gravado por Koch Grünberg, (Koch Grünberg, 1923), em que a linha musical é interrompida por uma segunda voz, que segue entoando um fragmento do canto. Da exemplo de um canto Maxakali, do nordeste deMinas Gerais, em que a sequnda voz entra uma 7a menor abaixo do tema. Mostra a imitação por entradas sucessivas, em cantos dos índios Urubu-Kaapor do Maranhão, recolhidos por Darcy Ribeiro (Ribeiro, 1950). Também cita na pesquisa de Terence Turner (Turner, 1963), etnólogo americano que esteve entre os indios Kayapo do Norte, em 1963, alguns cantos que eram executados do tipo antifonal (solista e coro).

O antropólogo Desidério Aytai (Aytai, 1978/9), em suas publicações do Museu de Paulinia, "Um microcosmo musical, canto dos indios Xetá" , grupo que foi localizado em 1949, na Serra dos Dourados, no Paraná, menciona duetos e trios, e comenta que eram feitos "com quase total independência das vozes, a não ser o ritmo" . Menciona "que a segunda e terceira voz entra no canto quando a primeira ja tinha executado 1, 2, 3, até 9 compassos, cantando uma melodia que, embora similar, é diferente da cantada pela primeira voz "… e acrescenta "os cantores parecer querer evitar cantarem melodias paralelas, e, para este fim, usam os seguintes processos: a) as melodias são diferentes; b) as melodias começam em momentos diferentes; c) a letra é diferente; d) as escalas podem ser diferentes" (Aytai, 1979: 17).

Como exemplo ele mostra um canto do urubu, feito por dois cantores, havendo uma entrada de sete compassos feita pela primeira voz, entrando a segunda voz um semitom cromático acima, fazendo um contraponto com o mesmo ritmo. As vozes se separam utilizando ora intervalos de 2a maior, 2a menor, 2a aumentada, 3a maior, 3a menor, 4a justa, 4a aumentada, 5a justa, 5a aumentada, 8a justa, ou semitom cromático. A segunda voz repete um periodo com duas frases, que se modifica ligeiramente no decorrer da peça, enquanto a primeira voz faz um tema constituido de três frases, que se repetem com poucas modificações.

Fazendo um estudo analitico e comparativo da musica de dezenove fonogramas, colhidos entre cinco tribos brasileira, Assurini (2 F.), Pakaa-Nova (3 F.), Urubu-Kaapor (6 F.), Waurá (5 F.), Bororo (3 F.), percebemos ricos exempios de combinações polifônicas. Nelas a melodia é imitada inteiramente ou em partes e a imitação por entradas sucessivas é também encontrada.

Na música Assurini (F. 2), índios da área cultural indígena Tocantins- Xingu, feita para coro, solo feminino e chocalho, observamos um interessante diálogo entre o solista e o coro. A pergunta é formulada nos dois primeiros compassos e o coro responde a uma Segunda menor acima, não igual, mas num desenho melódico que termina imitando a proposta:

(Exemplo N°. 1)

Repete-se o mesmo diálogo nos compassos quinto ao oitavo. No final deste compasso, entra o tema, agora modificado, ampliado, como também a resposta. E este diálogo procede em toda a música, nunca igual, o que demonstra que estas diversidades na imitação são programadas.

Na música Waurá para três flautas (F. 15), dos índios Waurá do Alto Xingu, encontramos outro exemplo interessante de agregações sonoras. Ela é feita com apenas cinco sons:

(Exemplo N°. 2)

Não vemos só a imitação, mas percebemos agregações sonoras, que não parecem meramente ocasionais:

(Exemplo N°. 3)

Este diálogo continua no terceiro compasso, entre a segunda e terceira flauta. Essa, faz agora o desenho uma terça acima e com ritmo diferente, do exemplo anterior.

No compasso quinto, entra a primeira flauta. utilizando um motivo semelhante ao inicial, uma Terça Maior acima e agora com intervalo de Quarta Justa. Ai um acorde Perfeito menor parece invertido:

(Exemplo N°. 4)

As agregações são feitas na música toda, ora com a primeira flauta e com a sequnda flauta, ora com a primeira e terceira flauta, sempre, no entanto, modificadas.

O ritmo reqular das batidas de pé, com o som dos chocalhos, colocados nos tornozelos, completam o cenário interessante e rico desta música.

O fonograma 17 é um canto Bororo para duas vozes masculinas, flauta e chocalho. Um motivo aparece no sequndo compasso e se repete ate o sexto compasso:

(Exemplo N°. 5)

Na última parte deste compasso, entra a segunda voz, utilizando o mesmo motivo, terminando no compasso 10, com um ritmo diferente. Entra a primeira voz, utilizando os mesmos sons com letra diferente, sendo a perqunta mais ampliada. Também a resposta é longa.

A pergunta, utilizando os mesmos sons do motivo inicial no compasso 39, é igual a primeira entrada do tema, modificando so no final.

No compasso 44, entra a sequnda voz, fazendo um desenho cromático, antes da apresentação do tema que aparece reduzido. O diálogo ocorre com o tema apresentado na primeira voz (compasso 50), um semitom cromático acima. Entra a segunda voz com o mesmo tema, um semitom cromático acima, e modificado no final. Sem a nota inicial, entra a primeira voz, fazendo o tema ampliado.

Termina o diálogo, com a sequnda voz fazendo o motivo inicial sem a primeira nota e com uma terminação diferente.

Uma flauta grave dando uma sequnda maior abaixo do tema inicial, acompanha os cantores em mf, a partir do compasso terceiro. O seu ritmo pouco varia, mas ela.completa de uma forma interessante, o jogo de perguntas e respostas dos cantores, uma Terça Maior ou uma Sequnda Aumentada (comp. 50), ou uma Terça Aumentada (comp. 56).

O Fonograma 18 é também um diálogo entre dois cantores.

É um canto Bororo para dois solistas masculinos e coro masculino.

O motivo inicial que é feito com dois sons: Fá#2 e Mib2, vai do primeiro ao segundo compasso. A resposta também utiliza dois sons: Ré2 e Mi2. No compasso 9, aparece pela primeira vez o Fá#2 e no compasso 14 o Mib2. No compasso 33, o Fá 2.

Notam-se modificações já na segunda entrada do tema (compasso 4), que aparece sem as duas notas iniciais. O coro entra no quinto compasso, oitava acima da primeira voz, provocando uma nona aumentada entre o Fá#3 e o Mib2, do primeiro solista.

A união das duas vozes ocorre no compasso 60, quando a segunda voz faz o Mi2 e a primeira o Mi3. Novamente, nos dois últimos compassos, as duas vozes se juntam, num intervalo de oitava como num dueto de gritos avisando que a música está terminada.

(Exemplo N°. 6)

O Fonograma 19 é também para duas vozes com acompanhamento do chocalho, sendo um canto Bororo.
Novamente o diálogo entre a primeira e a sequnda voz, que é feito a partir do compasso 71. Um desenho melódico aparece na primeira voz, dando início à parte B. No compasso 84, êle é modificado. Um único encontro de vozes é feito no compasso 114, quando entra uma terceira voz no final do compasso 113 e, antes desta voz terminar de cantar, entra a primeira (semitom cromático abaixo), ocorrendo então, em seguida, um intervalo de Segunda Maior entre elas e o diálogo continua até o final.

(Exemplo N°. 7)

O exemplo mais interessante encontrado é um canto de meninas Pakaa-Nova, de Rondonia, a duas vozes (F. 4). Uma solista e um coro de meninas cantam juntos quase o tempo todo, alternando intervalos de Terça Maior (compasso 24) e Quarta Justa (Ex. compasso 21).

(Exemplo N°. 8)

Ouvindo o canto, impressiona a segurança nas entradas, na afinação e no rítmo. No compasso 12, a primeira voz da entrada ao tema, e só no segundo tempo entra a segunda voz. No compasso 20, é a segunda voz que dá entrada do tema, que aparece modificado. Nos compassos 20 e 21, as vozes que antes faziam a combinação polifônica em Quarta Justa, agora o fazem em Terça Maior e Quarta Justa, tendo a melodia sido elevada de meio tom.

(Exemplo N°. 9)

Há interrupções nos compassos 26, 35, 38, 49, 51, 55, 58, 62, 66, 70, 78, 86, da voz solista.

Como conclusão destas análises, notamos que há realmente Polifonia nas músicas estudadas. Não são combinações muito complexas, mas percebe-se que são bem feitas. Há uma preocupação em combinar, variar estas combinações. Não parece de maneira alguma que isto se processa de forma fortuita. Há musicalidade na realização dos diálogos e agregações.

Realmente, o índio não parece tão primário quando realiza sua música.

Neste quadro que segue, mostramos de uma forma sintética comparativa, a polifonia como é encontrada na música dos diversos grupos estudados.

Origem Polifonia

Xetá Simplicidade nas agregações melódicas. Duos e trios são feitos com total independência das vozes. A 2a. voz geralmente entra no canto, quando a 1° ja tem executado um, dois, três e até nove compassos cantando a melodia que, embora similar, e diferente da 1a. voz. Usam diversos recursos para não cantar melodias paralelas: a) as melodias são diferentes, b) começam em momentos diferentes; c) a letra é diferente; d) pausas de durações diferentes são introduzidas em momentos diferentes e irregulares; e) as escalas podem ser diferentes

Xavante Poucas manifestações polifônicas, só em alguns choros na música vocal

Nambiquara Sua música é altamente monofônica, segundo Halmos, I.

Assurini Foi encontrado no F. 2, diálogo entre o solista e o coro, durante o qual aparecem algumas agregações melódicas.

Pakaa–Nova Nos F. 4 e 5 são cantos para dues vozes. 0 1° tem por base umtema que se repete treze vezes. Um solista e um coro cantam juntos quase o tempo todo, alternando entre as vozes, intervalos de 3°M e 4’j, ou 4’d. No F. 5 usam intervalos de 5a j, 4a d ou 4’j.

Urubu Kaapor Sem exemplos.

Waurá 0 F. 15 é uma música para três flautas, baseada num tema que serepete com modificações. Há agregações melódicas e o emprêgo de imitação.

Bororo 0 F. 17 é um canto para duas vozes masculinas, flauta e chocalho.Um diálogo se desenvolve entre as duas vozes. Uma flauta grave acompanha os cantores a um intervalo de 2a M, ou 2’A, 3a M, pi 3a- A. O F. 18 e um canto para dois solistas masculinos e coro masculino, havendo um dialogo durante a música toda entre estes solistas. O coro participa com apenas duas entradas, enriquecendo o diálogo. O F. 19 é um canto para duas vozes masculinas. A polifonia surge em apenas um compasso, quando entra uma terceira voz e antes ela terminar a apresentação do motivo, entra a primeira, uma 2a M. abaixo.

Gostaria de salientar o quento foi importante para a nossa carreira de compositora, este contato com a música indígena brasileira. Ela nos transmitiu conhecimentos em termos de forma, de combinações timbrísticas, rítmicas, polifônicas, que nos abriram um campo novo, rico e muito nosso. Com êle nos identificamos, desde os primeiros contatos e nos inspiraram a fazer obras como:

Marawawa- para percussão, sopros e coro misto, que participou da Bienal Latinoamericana, em São Paulo, em 1978.

Dawawa Tsawidi - para sopros e percussão, que obteve o premio Governador da Bahia, em 1979.

Dapraba - para coro infantil, que obteve o 1° lugar no Concurso de Composição para Coro Infantil, promovido pela FUNARTE, em 1980, e Territórios e Ocas, Nakutnak, Wani -A’ma, Hekélaly e tantos outros.

Além da contribuição passoal que nos deu o estudo desta música, sentimos que estamos valorizando estas culturas, e ajudando a preservar um patrimônio que representa uma notável fonte de pesquisa para a música contemporânea.

 

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Texto sem notas, bibliografia, exemplos musicais e ilustrações.
Artigos completos nos Anais do Congresso "Brasil-Europa 500 Anos: Música e Visões".

Text ohne Anmerkungen, Bibliographie, Notenbeispiele und Illustrationen.
Vollständige Beiträge im Kongressbericht "Brasil-Europa 500 Jahre: Musik und Visionen".

 

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