Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 62 (1999: 6)


 

Congresso Internacional Brasil-Europa 500 Anos
Internationaler Kongreß Brasil-Europa 500 Jahre

MÚSICA E VISÕES
MUSIK UND VISIONEN

Colonia, 3 a 7 de setembro de 1999
Köln, 3. bis 7. September 1999

Sob o patrocínio da Embaixada da República Federativa do Brasil
Unter der Schirmherrschaft der Botschaft der Föderativen Republik Brasilien

Akademie Brasil-Europa
ISMPS/IBEM

Pres. Dr. A. A. Bispo- Dir. Dr. H. Hülskath

em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:

Deutsche Welle
Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien

 

O SOM DA PALAVRA:
TUPI, GREGO E MAIS FALARES ANTIGOS

Profa. Dr. Dr. Julieta de Andrade
Universidade Anhembi/Morumbi (São Paulo)

 

Die Verfasserin bietet einen ersten Einblick in Untersuchungen, die im Gange sind und eine andere Sicht der Indianer der Sprachfamilie Tupi zu eröffnen suchen. Diese Indianer hüllten sich unter den Umständen, die seit der Entdeckung herrschen, gleichsam in ein mystisches und zugleich bedeutungsvolles Schweigen. Um etwas von diesem verborgenen geistigen Universum zu erfahren, beschreitet die Referentin einen ungewohnten Weg: sie betrachtet die Musik der Worte als Elemente klanglicher Kommunikation, d.h. die Aussprache der Konsonanten und Vokale sowie die Stille und die eingehauchten Zwischentöne, um die von ihr aufgespürten bemerkenswerten Ähnlichkeiten zwischen der Tupi-Sprache und dem Griechischen oder anderen alten Sprachen zu ergründen. Im Klang liege offensichtlich die Brücke zwischen der vordergründigen Bedeutung und dem tiefen, geistigen Sinn der Worte. Um systematisch vorzugehen, versucht sie trotz aller Schwierigkeiten diese Fragestellung mit lexikographischen Methoden zu behandeln.

 

Sou muito agradecida aos Senhores promotores deste Congresso, pelos termos do convite que recebi da Akademie Brasil-Europa für Kultur und Wissenschaftswissenschaft; ao Senhor Embaixador do Brasil na Alemanha, Roberto Abdenur, pela solicitação de apoio para minha vinda; à Reitoria e Coordenação do Pós-Graduação da Universidade Anhembi Morumbi de São Paulo, instituição onde trabalho.

Aqui estou, grata também aos que, da Alemanha, tendo manifestado confiança em minha vocação de pesquisadora, enviaram-me, com Luiz Fernando de Andrade Soares, Marta Johanna Haug e Edmunda Maria Moya, para pesquisar os índios Karipuna e Galibi-Marworno, na Reserva do Uaçá e no Juminã, Amapá, Brasil.

As duas viagens que fizemos foram um marco tão luminoso na vida dos integrantes da equipe que todos nós, daquela época em diante, experimentamos crescimento interior na direção do aprofundamento da experiência humana e da dedicação ao semelhante.

Rainer Maria Rilke definiu, para o Capitão Von Kappus, o que, no seu entender, é um poeta: aquele que não pode passar um dia sequer, sem fazer versos.

Parafraseando Rilke, um pesquisador não vive, se estiver longe das entrevistas, das anotações e das consultas à bibliografia; mas depois da pesquisa no Oiapoque, nunca mais pude viver um dia sem ler, anotar, comparar, ouvir, procurar…

E aqui estou, trazendo resultados parciais deste trabalho, maior do que as minhas possibilidades.

Há várias maneiras para se aprender uma língua diferente da língua materna; entre elas, a assistência a cursos, com aulas e lições de casa; a viagem ao país onde é falada, mergulhando nela, com dicionário na mão; fazer, da pesquisa de linguagem em si mesma, um curso e um desafio; navegar através da História, da Geografia, da Etimologia, da Fonética, da Música das palavras, da Coleta Etnológica, da Leitura dos pesquisadores e viajantes, dos Dicionários, dos Livros Didáticos, aberta a mente a qualquer indício que possa estar: na letra de uma cantiga, nas notas de um rodapé, num comentário corretivo e até numa negativa de esclarecimento cuja justificativa remete o cientista à sua condição de humildade e impotência.

Se todos esses fatores em conjunto se propuserem a um pesquisador ávido por compreender a verdade humana em sua condição mais natural - a cultura -, aceitando o desafio, este profissional vai estar diante de uma Pedra de Roseta (ou de Rachid, na língua original) do tamanho do mundo e no formato da Torre de Babel!

Foi a esta situação que a pesquisa dos Karipuna e dos Galibi-Marworno me conduziu.

Dada a importância deste Congresso Internacional que a Alemanha conduz para comemorar os quinhentos anos da convivência da Europa com o Brasil, iniciada pela descoberta de Pedro Álvares Cabral, trago esta nota prévia de minha pesquisa, em benefício de um novo enfoque na definição dos índios da Nação Tupi. Mestres de um mantra do silencio, esses índios vivem uma longa pausa musical, um não-poder-falar que já dura os quinhentos anos que a Terra de Ibirapitanga completa, batizada com o nome de Brasil. Ibirapitanga" É o nome Tupi do pau-brasil, conhecido até agora na França, como bois de Pernambuco.

Este estudo resume-se à música das palavras enquanto elementos de comunicação sonora através da pronúncia de consoantes e vogais, com eventual presença de mini-silêncios e sons aspirados intersticiais. Ele atenta para vogais longas, breves, abertas, fechadas; e busca, nas eventuais diferenças entre consoantes, do Tupi e do Grego, verificar se há constância na substituição, no exemplo do l (inexistente no Tupi) por r.

Como a fala traduz culturalmente os conteúdos mentais do homem, são muito significativas três respostas de Dionísio (Karipuna) e de Paulo (Galibi-Marworno):
1. - "Não somos Karipuna, somos Kharipun; vocês é que dizem Karipuna, não nos importamos, mas nossa gente é Kharipun." (kh como buch, em alemão)
(- "O que é o encantado?" (céu, lugar da eternidade) "
2. - "Não gostamos de falar destas coisas, a Senhora desculpe…"
(- "Mas por que? Seria tão bom se eu pudesse saber …")
3. - Vocês não entenderiam…"

Dionísio e Paulo têm razão; a aula não ganha sentido pelo que o mestre ensina, mas pelo que o aluno aprende.

Faz cinco anos que estou tentando entender dados bem menos complicados e vou caminhando devagar, a duras penas! Mas começo a vislumbrar, em distante horizonte, de maneira ainda difusa mas real, alguns traços indicadores da profunda Cosmologia e da espiritualidade da Nação Tupi; porque, para além da simples semelhança entre os sons das palavras do Tupi e do Grego reside a identidade dos significados de tais sons. E isto vem ocorrendo sistematicamente de tal forma que a leitura, com palavras gregas, de cerimônia religiosa Tupi, traz dimensão profunda à compreensão dos termos e comportamentos rituais citados em Tupi, pelos índios.

I. Uma incursão na pesquisa pura

Estou fazendo um vocabulário comparativo Português- Grego (e/ou) - Tupi.

Já tenho alguns resultados consistentes de A a T, V.

Atualmente estou trabalhando a letra M a partir dos Dicionários de Tupi para os de Grego-Português e Grego-Espanhol, a fim de correlacionar os verbos iniciados com as partículas prefixais Mo, Mbo, Mu; e Moro, que sugere locução verbal, tudo em voz ativa. A seguir, farei a letra T, para Témi, Tembi, correlacionando os substantivos deverbais nascidos de particípios, o que sugere presença de voz passiva; e depois, a letra Z, onde a partícula Zé, como prefixo pronominal, compõe, com o verbo, a voz reflexiva, a média, do Grego. Finalmente, trabalharei os verbos em ordem alfabética a partir do Português.

O manuseio constante das obras de referência e a re-leitura direcionada da literatura dos viajantes traz contribuições inesperadas de dados que, isoladamente, parecem apenas descritivos; para o conjunto da pesquisa, entretanto, podem preencher vazios que, no princípio do estudo, davam a impressão de serem inatingíveis para a compreensão.

Embora esteja realmente aplicada à questão da comparação dos sons e conteúdos das palavras, já se torna impossível deixar de correlacionar certas evidências:
a) o pajé, longe de ser um feiticeiro, é, antes, um pedagogo, responsável pela manutenção das tradições indígenas em uma ou mais aldeias; responsabiliza-se pela saúde física e psicológica dos moradores porque no seu padrão de cultura sempre tem sido assim. Quanto às suas funções espirituais, ele as exerce com abnegação, alegria, maturidade e total ausência de espírito de crítico. Trabalha por respeito à criatura humana que precisa de sua ajuda; e isto é tudo.
b) Razões históricas e mesmo atuais não faltam para que a chamada língua dos pajés seja resguardada, pelos índios, para evitarem falta de compreensão de sua cultura. Os dados bibliográficos entretanto sugerem veredas para a atuação do pesquisador até o momentos de nova tentativa de diálogo, quando o fator confiança estiver bem sedimentado.
c) Pelo visto até agora, há uma estreita relação entra as línguas Tupi e Grega antiga, pré- socrática: a Mitologia Grega está ausente da Mitologia Tupi ambas entendidas como relatos de ações heróicas de personagens com poderes sobre-humanos.
d) A lembrança de uma terra sem males situada para além do Oceano Atlântico, a presença de rituais com incenso, o uso religioso de tanga dupla, curta e vermelha; a valorização dos escaravelhos e besouros, o encontro de machado de pedra exatamente igual - em forma e proporções - a exemplar da Caldéia, tudo são indícios de que há muito a ser conhecido ainda.
e) Os desenhos decorativos na cestaria e cerâmica dita marajoara - seguindo linhas quebradas em ângulos retos - as gregas; os símbolos desenhados na cestaria bicolor - de extremo bom-gosto e perfeito acabamento - recordam um povo que valorizou a geometria; mas o conteúdo religioso dos desenhos remete, ao mesmo tempo, à espiritualidade e a um possível sistema ideográfico de transmissão de mensagem dessa postura de fé. Nos cestos comprados na Amapá, feitos pelos índios do Tumucumáqui há desenhos de água em ondas (de rio" de mar"), há pequenas estrelas e há caruanas (espíritos) de animais terrestres e alados. No jamaxi (cesta que o índio leva às costas, para transporte de mandioca - e que deixa braços e mãos livres para o trabalho), há caruanas de pássaros em vôo.

Por enquanto, destas coisas dos artesãos preferiam não falar, em 1994. Voltamos lá, 1995. Estando o mesmo grupo na FUNAI de Macapá, à vista de nosso interesse e da volta às aldeias do Oiapoque para conferir com os próprios Karipuna e Galibi os relatórios que iríamos enviar para publicação na Alemanha, os mesmos artesãos pediram-nos para irmos à sua aldeia; queriam ser pesquisados. Mas não poderíamos prometer: o acesso, exclusivamente por avião; nossas residências, a mais de oito horas de vôo (trecho São Paulo-Belém, trecho Belém-Macapá, trecho Macapá-Tumucumáqui, este sem linha regular comercial...).

Essas situações reforçaram a motivação para o estudo da língua comparada: ele é possível, pode ser feito em casa e em bibliotecas. Independe de solicitações de difícil atendimento.

Por que um artesão-artista pintaria com tanto esmero, num cesto que se destina a transportar raízes cheias de terra, frisos contendo pássaros, ideogramas que estão misturados com pequenas estrelas? Não seria a sua maneira de fazer ato de fé, contando, no seu objeto de trabalho, a silenciosa motivação do seu viver tão difícil? Não estaria aí um mecanismo de resistência, de conservação de identidade étnica, de manutenção das tradições, de maneira infensa às "indiscrições"?

Peço licença para incluir em minha argumentação uma obra de arte feita no cinema, com tema análogo ao desta conferência e que, para além do problema das línguas, atinge aquele das diferenças culturais gerando incompreensões e silêncios: o filme Onde sonham as formigas verdes, de Werner Herzog, traduz tudo e mais do que quero dizer: ali, um personagem, o último da tribo, tem o apelido de Mudinho; num dado momento, ele fala, expressa-se ansioso por comunicar sua experiência, mas sua linguagem não pode mais ser entendida por quem quer que seja.

Extremamente perspicaz, Herzog mostra também um antropólogo, que apenas buscava compreensão para seu trabalho…

Dedico minha comunicação ao Dr. Johannes Overath, Dr. Antônio Alexandre Bispo, ao Dr. Gabriel Mário Rodrigues, ao Dr. Sebastião Hermes Verniano, à Dra. Lúcia Ypiranga, que tanto me prestigiam, na Universidade Anhembi Morumbi; ao Dionísio - o Karipuna, ao Domingos e ao Paulo - os Galibi-Marworno; ao Cacique Juvenil, que me traduziu a eternidade (Zá); e ao Pajé Matén, que me possibilitou entrar no piroro, ponto de contato entre a Terra e o Encantado, na Lua Cheia de Outubro. Miasi; mo sa "dj".

Obrigada também aos amigos que me ajudaram de uma forma ou de outra a estar aqui; em especial a Regina Kinker, que me deu a obra do P. Montoya; e à Dra. Ana Balmori que, de Portugal, me fez chegar, ao Brasil, o exemplar do dicionário de Sânscrito constante na bibliografia, de Stchoupak et alii. A serenidade e o bom resultado de qualquer pesquisa devem ser creditados a todos os que se sensibilizaram com o problema, e este não é só dos índios: é de todos nós.

A amostragem a seguir justifica-se pela importância do assunto e pela obediência à metodologia que tenho aplicado a todos os meus trabalhos científicos, desde a publicação de Cocho Mato-grossense, um Alaúde Brasileiro.

Ela consiste em utilizar os próprios dados empíricos como os faróis norteadores do caminho a ser trilhado. Isto implica critério objetivo de escolha do exato ponto inicial da pesquisa, fidelidade incondicional ao caminho da análise e respeito absoluto pela pessoa que informa com base na experiência de vida sua ou de seu grupo.

Ela não diz que o povo Tupi veio da Grécia; diz apenas, por enquanto, que trabalho com línguas da mesma família, a Indo-Européia, com elementos do sânscrito, persa, grego, análogos a raízes de vocábulos latinos, italianos, espanhóis, franceses, portugueses, ingleses, alemães e russos, por serem línguas Indo-européias. Dizem esses dados que aí estão inclusos elementos semíticos, egípcios, com sugestão de grande importância aos vocábulos e sons ligados aos conteúdos dos termos púnicos, Fênix, Fenícia, purpura, a todo um universo espiritual relacionado aos elementos de natureza, em especial a água, o fogo, o vento, a terra,, as florestas, os animais, os homens. Dou aqui o exemplo do vento.

Não é possível esquecer a afirmação de Ludwig Schwenhagen, de que a língua Tupi é pelasga. Estou, por enquanto, procurando enquadrar (ou não…) essa assertiva em termos científico-acadêmicos, através da música das falas que, por serem culturais, traduzem diretamente a relação Homem-Ambiente. São elas que me estão ensinando que os fonemas abertos á, é, quando longos, significam brilho, luz, iluminação, resplandecência; que sons ó, i traduzem cores; sons u (u com til), u ligam-se às sombras da noite, do esquecimento, da longa espera, do silêncio imposto pela incompreensão; e que o arco-íris é a escada multicor que leva os cantos dos pajés e traz os espíritos dos habitantes do Encantado…

A música, além de linguagem intercultural, é capaz de unir o lado de cá com o lado de lá. Assim dizem os Tupi.

Se a pesquisa o confirmar inteiramente, falarei em Fênix e em Fenícios.

Venho estudando a pronúncia do Tupi segundo as propostas de Montoya, Boudin, Navarro. São estudiosos cuja obra fala por si.

Entretanto, por questão de síntese, proponho, aqui, a leitura do Tupi conforme a do alfabeto grego antigo, incluindo digama ou vau, com pronúncia semelhante à de W inglês. O espírito áspero do grego é encontrado, no Tupi, como r brando inicial de palavra, e/ou como h aspirado. Milimétricas interrupções de som nas palavras, do tipo hamza árabe, ocorrem, em geral grafadas com ’ entre vogais.

Tenho obedecido à seguinte correspondência, na pronúncia:

No vocabulário a seguir, as palavras da coluna do meio estão em grego; outra língua (sânscrito, persa, etc.) está citada entre parênteses; vez por outra, voltando ao grego, faço citação, para segurança do leitor.

 

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Texto sem notas, bibliografia, exemplos musicais e ilustrações.
Artigos completos nos Anais do Congresso "Brasil-Europa 500 Anos: Música e Visões".

Text ohne Anmerkungen, Bibliographie, Notenbeispiele und Illustrationen.
Vollständige Beiträge im Kongressbericht "Brasil-Europa 500 Jahre: Musik und Visionen".

 

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