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			científica
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N° 22 (1993: 2)
			
			
Profa.Dra. Kleide Ferreira do Amaral Pereira
		Escola de Música da U.F.R.J., Sociedade Brasileira de Musicologia,
		ISMPS
Introduzindo o tema escolhido, pode-se dizer que a influência
		indígena na obra de Villa-Lobos apresenta-se arraigada a temos
		colhidos por Jean de Lery, Roquete Pinto, Sodré Viana, Barbosa
		Rodrigues e à sua própria vivência quando de suas andanças pelo
		nordeste e Amazônia, havendo também notícias de sua passagem pelo
		Caribe.
Entretanto Villa-Lobos ambientou os temas indígenas mas utilizou (numa fusão singular) rítmos, escalas e principalemente lendas pré e pós-colombianas. Os cantos ameríndios foram de grande influência na sua obra coral e orquestral. Ele usava o mesmo tema, revivendo-o em diferentes obras de sua autoria (...) "reconhecido como um dos maiores musicistas contemporâneos podemos dizer que é o intérprete sonoro de esse processo étnico de quatro séculos..." (Paula Barros, 1965, p. 10). Porém, não apenas quatro séculos de música influenciaram a Villa-Lobos, foram realmente mais de cinco séculos da memória musical pré-colombiana que influenciaram melodias e ritmos trazido a nós por Villa-Lobos. Ele dizia que a escala incaica de cinco tons era diferente da escala pentafônica chinesa.
A Amazônia, então, foi para Villa-Lobos uma pátria subjetiva de
		sonho e de magia! Aliás na sua bagagem sonora a influência indígena
		não é simplesmente um copiar de elementos rítmicos e sonoros.
		Ele recria e a sua imaginação é mais levada pelas lendas que colhia
		dos caboclos do nordeste e do norte do Brasil. Outras regiões
		como a sudeste e o sul ocuparam também a sua criatividade, mas
		com menos ímpeto que as demais.
		
		
Cronologia e breve histórico das obras de Villa-Lobos com raízes indígenas
1917
Poemas musicais: Amazonas, Uirapuru, Saci Pererê e Iara.
			Nesta fase, já os gênios da floresta surgem sinfonicamente: Danças
			dos Juruparis, dos Caaporas e o sedutor canto das Uiaras.
			Dados informativos. Amazonas - quase todo o material melódico
			dessa obra foi baseado em temas indígenas amazônicos, recolhidos
			pelo próprio Villa-Lobos.
			O ambiente harmônico, rítmico e a atmosfera criada pelos timbres
			instrumentais obedecem a um princípio de forma original e interpretativa
			de lembranças das viagens feitas pelo autor no vale amazônico.
			O argumento desta obra é de autoria de Raul Villa-Lobos, pai do
			compositor.
			O libreto do Uirapurú é do próprio Villa-Lobos:
			"...Conta uma lenda que a magia do canto noturno do Uirapuru era
			tão atraente, que as índias sumiam, durante a noite, à procura
			do mágico trovador das florestas brasileiras, porque as feiticeiras
			lhes haviam contado que o Uirapuru era o rei do amor e o mais
			belo cacique da Terra."
			(Este balé foi dedicado a Serge Lifar).
			Aproveitando os temas de nossos aborígenes e dentro da escala
			encontrada nas melodias primitivas (segundo os fonogramas do Museu
			Nacional, recolhidos por Roquete Pinto), foram extraídos os elementos
			harmônicos e rítmicos para criar um ambiente típico que se incluisse
			na técnica tradicional da música erudita, dando-lhe um aspecto
			original que geraria futuramente a música autótona brasileira.
1918
Na obra para piano A Prole do Bebê (n° 7) Villa-Lobos coloca entre
			os temas das bonequinhas a "caboclinha" - boneca de barro (La
			petite indigène du Brésil - La poupée en argile-) da edição Max
			Echig.
			Na mesma época havia sido elaborada a Magdalena, cujo enredo passa-se
			na Colômbia, embora Villa-Lobos não tenha despersonalizado a música
			brasileira, para torná-la realmente colombiana.
			Sobre esta obra há uma nota do próprio autor: "... entendo que
			a América primitiva, por certas lembranças que charam até nós
			dos Maias, Astecas, Quixuas, Aimarás, etc. deveria usar uma escala
			pentafônica diferente da usada pelos chineses..." (Museu Villa-Lobos,
			1965).
1919
Villa-Lobos cria a ambientação ritmo-melódica para os temas Ena molocê-ce maká (dorme na rede); Nozaniná (o preparo do cauim...) e o Papai Curumiassú (canto tema dos caboclos do Pará que lembrava o "bicho papão" que assombrava os meninos indígenas).
1923
Villa-Lobos parte para a Europa graças ao mecenato dos Guinle
			e dos Penteado, que pressentiam o gênio ainda desconhecido.
			Na Europa Villa-Lobos surpreende a comunidade artística exacerbando
			a sua criação da alma brasileira.
1926
Neste ano surge o Canide ioune Sabath (canção elegíaca da ave
			amarela, tema recolhido por Jean de Lery em 1553). Villa-Lobos
			faz o arranjo orquestral, com solista e apresenta esta obra em
			1933, na Alemanha, com a Orquestra de Colônia e o soprano Vera
			Janacopulus sob a regência do autor.
			Teiru foi um outro tema recolhido por Roquete Pinto em 1912 com
			os Parecis de Mato Grosso. Trata-se de um canto fúnebre pela morte
			de um cacique. foi orquestrado por Villa-Lobos em 1933.
			Iara, com tema e poesia de Mário de Andrade, sofre a influência
			dos indígenas do Amazonas tendo sido harmonizada também para Canto
			e Piano por Villa-Lobos.
1930
No Rio, são apresentados Pai do Mato (tema ameríndio sobre um poema de Mário de Andrade), Ualocê e Kamalaô - lendas dos índios Parecis, para incentivo e comemoração da caça.
1933
Reaparece o Ena mokocê-ce para coro misto, solista e bateria.
			No mesmo ano é criado o Canto do Pagé, para Banda e Coro. É uma
			marcha-rancho, baseada em música aborígene brasileira com fragmentos
			rítmicos da música popular espanhola. O canto do tema indígena
			tem versos de C. Paula Barros.131 
1934
Remeiros de São Francisco - tema baseado em cantos mestiços, recolhidos
			na Bahia por Sodré Viana.
			No mesmo ano surge o Mandu Çarará (uma cantata profana), baseada
			em várias lendas indígenas recolhidas no Amazonas por Barbosa
			Rodrigues. Com um coro e orquestra de grande apelo popular, tem
			no final ritmos em vozes onomatopaicas.142 
			Homenagem de Villa-Lobos ao Descobrimento do Brasil
1937
Villa-Lobos compôs uma série de quatro suites para fundo musical
			do filme Descobrimento do Brasil que seria atualmente chamada
			de música incidental.
			Descrevem as quatro suites a viagem das caravelas de Pedro Álvares
			Cabral, introduzindo temas ibéricos, alusivos aos marinheiros,
			numa tempestade no mar... e descreve, ainda, a chegada após a
			descoberta e o primeiro contato com os índios.
			Na quarta suite após o corte do jequitibá, para construir a cruz,
			surge a Procissão da cruz e a Primeira Missa no Brasil. Nesta
			quarta suite cruzam-se os dois temas opostos: um indígena, que
			segundo o próprio Villa-Lobos lastima a queda da árvore; o outro
			tema é litúrgico, baseado numa melodia ambrosiana Creator alma
			siderum, entoado pelos baixos e tenores, enquanto o tema indígena
			com ritmos sincopados em fragmentos tupis é entoado pelas vozes
			femininas.153 
			Esta obra recebeu o Grande Prêmio do Disco na França - Prix des
			Relations Culturelles.
1941
Surge o Canto do Pará, que é um tema guerreiro (para coro a três
			vozes).
			Neste mesmo ano Villa-Lobos apresenta os Cantos de Çairé: 1,2
			e 3, com temas folclóricos amazonicos.
			Os temas até aqui apresentados, em sua maioria foram reduzidos
			e harmonizados em duas, três e quatro vozes para os coros orfeônicos
			das Escolas Municipais do Rio de Janeiro e depois para as dos
			demais municípios.
Homenagem póstuma de Villa-Lobos ao evento do quinto centenário
		do Descobrimento da América
		Falamos neste momento de uma obra composta em 1951, mas que é
		hoje, simbolicamente, muito atual.
		Trata-se de Ruda - obra composta por Villa-Lobos para atender
		a uma solicitação do Teatro Alla Scala de Milão. É um bailado
		em poema sinfônico com uma história das américas pré-colombianas,
		sobre Rudá - o deus do amor.
Sua estrutura compõe-se de três atos e seis quadros assim distribuidos:
		
		I ATO
		Quadro n° 1 - Abertura e os Maias
		O tema principal é exposto com a tribo dos Maias e a chegada de
		nobres e soldados, prisioneiros de outras tribos da mesma raça.
		Quadro n° 2 - Os Astecas
		Os personagens principais são nobres e soldados espanhois e mulheres
		guerreiras da silva.
		
		II ATO
		Quadro n° 3 - Os Incas
		Entram sacerdotes, índios e índias.
		Quadro n° 4 - Os Marajoaras
		Neste quadro, representando a Floresta Amazônica surgem os espíritos
		que a habitam e que são o Curupira, o Jurapari, o Saci, o Sapo
		Antanha e a Iara.
		
		III ATO
		Quadro n° 5 - A vitória do amor nos trópicos
		Uma índia e um índio dançam freneticamente (o andamento é presto).
		Quadro n° 6 - Epílogo (grandioso)
		A erosão do país das amazonas.
Não se conhece, ou não se encontrou a marcação dos balés e o libreto do tem.
Sabe-se que a Erosão corresponde a uma lenda pré-colombiana recolhida por Barbosa Rodrigues que dizia:
Os andes elevaram-se do mar e uma grande massa d'água desceu para
		o país das amazonas (mulheres guerreiras), tudo destruindo e deixando
		em seu lugar um rendilhado de rios, igapós, e igarapés afluentes
		e subafluentes do magestoso Amazonas cuja força é tão grande que
		afasta por vários quilômetros a força do mar na sua foz. O estrondo
		do encontro desses gigantes foi chamado de 'a pororoca' pelos
		indígenas.164 
		
		
Villa-Lobos e a ecologia
		
Choros n°3
		Composto para clarineta, fagote, trombone, três trompas e coro
		masculino. Tem a alcunha de Pica-pau (sentindo-se na orquestração
		o canto da ave que perfura a madeira).
		De início expõe o tema Nozaniná (festa do preparo do cauim extraído
		do milho) recolhido por Roquete Pinto entre os índios parecis.
		O material temático é oriundo de raças aborígenes, mas também
		de negros e de mamelucos. O texto do coro consiste de um misto
		entre as línguas dos parecis e uma palavra em português, insistentemente
		repetida, intercalada por sílabas sem nexo, de efeito onomatopaico.175
		
Choros n° 10
		O próprio Villa-Lobos a definiu como uma nova forma de composição
		musical, na qual são sintetizadas as diferentes modalidades da
		música brasileira - indígena e popular, tendo como principal elemento
		o rítmo. A melodia típica é de caráter popular e reaparece sempre
		transformada pelo autor.
		A inspiração dos pássaros brasileiros aparece nos Choros n° 10,
		quando a flauta e depois a clarineta evocam o Azulão da mata...
		Após a ambientação jubilosa da passarada expõe-se o tema inca
		numa melodia pentafônica aborígene. Depois de um toque do clarim
		há uma cadência introdutória do Coro misto que, em seu texto,
		pronuncia sílabas e vocalises que tomam um caráter e clima indescritível
		de euforia, mas sem sentido ou lógica verbal.18
		Encerrando esta comunicação informamos que os dados para esta
		pesquisa, inclusive as gravações, foram recolhidos no Museu Villa-Lobos
		em março de 1992.
		
		
Ilustrações Musicais da conferência
1. Canto do Pagé - Banda da Polícia Militar do Estado de Minas
		Gerais. Maestro: Sebastião Vianna
		2. Mandu Çarara - Orquestra Sinfônica Brasileira. Regente: Henrique
		Morelenbaum. Coro do Instituto Israelita Brasileiro e Coro Infantil
		da Escola Einsteinbarg. Preparadora: Cecíla Conde
		3. Descobrimento do Brasil - 4a. Suite. Primeira Missa - Orquestra
		da Rádio Difusão Francesa
		4. Erosão 19 - Czecho Slovak Radio Simphony Orquestra. Regente:
		Roberto Duarte
		5. Choros n° 3 - Alcunhado O Picapau. Orquestra de Sopro (Clarinete:
		José Botelho; Sax-alto: Paulo Moura; Fagote: Noel Devos; Trombone:
		Jessé Sadoc; Trompas: Sdenele Svab, Thomas Jútle e Carlos de Oliveira).
		Coro masculino da Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro.
		Regente: Mário Tavares. Preparadora do Coral: Cleofe Person de
		Mattos
		6. Choros n° 10 - Orquestra e Coro da Radio Difusão Francesa.
		Regente: Heitor Villa-Lobos