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N° 20 (1992: 6)


 

O CANTO GREGORIANO NOS COROS LAICOS

João Guilherme Ripper
Opus Canorum, Rio de Janeiro

 

Em 1990 fundamos o coro Opus Canorum, criado com o objetivo de divulgar o repertório sacro de todas as épocas. O coro foi formado por jovens estudantes de canto, com conhecimentos de teoria musical e solfejo, em sua maioria. Neste primeiro ano, o coro Opus Canorum ocupou-se de pequenas peças corais e do oratório Jephte de Giacomo Carissimi, compositor italiano do período barroco.

No início de 91, ministramos aos componentes do coro um curso básico de canto gregoriano direcionado principalmente à prática. Introduzimos conceitos e fundamentos como a subordinação do ritmo à palavra, leitura no tetragrama, teoria modal, denominação e interpretação dos principais neumas, etc. Toda esta parte teórica foi acompanhada por um repertório que permitia sua imediata aplicação, em ordem de complexidade crescente. O método de abordagem de uma nova obra consistia em classificar seu modo, identificar seus principais neumas e solfejar sua melodia com atenção à fraseologia musical. A isto, seguiam-se considerações sobre o texto, sua pronúncia e, finalmente, o estudo integral da peça. O coro cantava a capella e, em geral, antifonalmente, alternando homens e mulheres. Em breve, foi possivel designarmos um grupo de solistas orientados para a execução de trechos musicais mais difíceis e versículos nos responsórios.

Começamos, então, a formar um repertório que obedecesse às principais datas do calendário litúrgico, mantendo as obras polifônicas ao lado das peças gregorianas. Nossas apresentações passaram a se concentrar no Convento de Santo Antônio por seu ambiente propício, sua bela arquitetura do século XVIII e pela carinhosa acolhida dos padres franciscanos que ali residem.

Destacamos as missas de Domingo de Ramos, Pentecostes e em memória de Francisco Mignone. Na primeira oportunidade citada, houve por bem cancelar a procissão de ramos, pois a multidão que lotava o Convento, atraída pela notícia veiculada no JORNAL DO BRASIL, tornava impossível e mesmo perigosa qualquer movimentação. Do mesmo modo, a apresentação em Pentecostes não permitiu que muitos fiéis assistissem a missa no interior da acolhedora igreja do convento. A missa em homenagem a Francisco Mignone foi realizada no dia 3 de setembro, data dedicada também a São Gregório Magno. Esta maravilhosa coincidência justificou o canto de todo o Próprio da missa em gregoriano ao lado da estréia da 3a. Missa de nosso grande compositor.

Paralelamente, escrevemos o roteiro de Apoftegmas, baseado nos ditos e feitos dos monges do deserto no século IV. Este espetáculo de música e teatro, que contou com a presença de atores, fez conviver o canto gregoriano com a polifonia, drama medieval e música brasileira contemporânea, realizando um percurso histórico sobre a música sacra. O espetáculo, encenado na Casa de Cultura Laura Alvim e na Sala Sidney Miller, foi sucesso de público e crítica.

Ao final do ano apresentamos o repertório gregoriano para o Natal em diversos locais, inclusive na abertura do auto natalino promovido pela Rio-Arte e Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Todo este trabalho foi iniciado com uma grande expectativa sobre qual seria a resposta dos cantores em relação à introdução do canto gregoriano em nosso repertório. Com exceção de uma ou duas pessoas, nossos coralistas não tinham qualquer experiência anterior nesta área. No entanto, movidos inicialmente por uma curiosidade histórica e cultural, depois pelo fascínio de um conhecimento restrito a poucos e, finalmente, pela descoberta do imenso conteúdo espiritual desta arte, o coro Opus Canorum fez do canto gregoriano sua especialidade e marca registrada. Acreditamos que por motivos semelhantes, acrescidos da participação em uma liturgia que venha coroada por uma expressão musical elevada, é que pessoas lotam a missa dominical no Mosteiro de São Bento e as missas cantadas pelo coro Opus Canorum.

Tudo isto nos leva à seguinte indagacão: porque não incentivar o aprecimento de coros laicos estáveis? A criação de uma Schola Cantorum para cada igreja, principalmente nos edifícios cuja arquitetura torna sua presença quase que imperativa, vem de encontro às deliberações do Concílio do Vaticano II. Lembremo-nos que este concílio elege o canto gregoriano como música oficial da Igreja.

A crítica vem, geralmente, da visão reducionista de alguns que vêem aqui uma ação movida pelo apego à tradição e ao passado. Porém, o "ser moderno" não significa a ruptura, o imediatismo, a superficialidade e a simplificação sem critérios. Foi exatamente por estes equivocados caminhos que seguiu a música litúrgica pós-conciliar. Ao contrário, numa época que tanto se fala em uma visão globalizante, na cultura cristã o "ser moderno" significa a consciência que vivemos um momento da história da salvação, história esta que projeta-se como uma cruz: horizontalmente no tempo unindo passado, presente e futuro; verticalmente unindo o homem a Deus.

Para concluirmos, não poderíamos deixar de citar a fundamental importância do trabalho de Dom João Evangelista Enout, O.S.B. - de quem temos a honra de ser aluno - na difusão do canto gregoriano. Dentre as sementes que planta com amor e entusiasmo em quem freqüenta seus cursos, o coro Opus Canorum apresenta-se como um dos frutos mais recentes. Muitos outros, estamos certos, continuarão a se espalhar pelo Brasil a fora.

 

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