Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 15 (1992: 1)


 

1822-1992: 170 anos da Independência do Brasil: Música nas relações culturais - Mundo de língua alemã/Mundo de língua portuguesa
Materiais: Fontes gerais pouco consideradas

Obras dedicadas a regiões do Brasil

Johannes Kretzen Zwischen Parana und TieteZWISCHEN PARANÁ UND TIETÉ
TIERE UND MENSCHEN AM URWALD VON SÃO PAULO
("ENTRE O PARANÁ E O TIETÊ:
ANIMAIS E HOMENS NA FLORESTA DE SÃO PAULO")

JOHANNES KRETZEN
LEIPZIG, 1929

 

(Excertos)

O livro de J. Kretzen, uma das raras obras em alemão dedicadas exclusivamente ao Estado de São Paulo, é de particular importância por tratar de uma das regiões mais recentemente ocupadas do Estado.

O próprio autor deu as razões do livro. Segundo ele, já se tinha escrito muito sobre o Brasil, em todas as línguas de importância.Antes da Primeira Guerra, havia o "South American Handbook", que saía anualmente, e, em alemão, o "Reseiführer von Europa nach Brasilien" que, em 1914, fora publicado em 3a. edição. De fundamental importância eram os relatos regulares no "Serviço Econômico" de Hamburgo, da pena de Walter Schück, autor do livro "Brasil, Terra e Povo", além, naturalmente, das famosas obras de Theodor Koch-Grünberg, sobretudo "Dois Anos entre os Índios do Noroeste do Brasil". Ao redor de 1930, o Brasil só era tratado modestamente no "Guia de Viagens" de Tzschirner. Isso não significava, porém, que o interesse da Alemanha pelo Brasil tinha diminuido. Pelo contrário. O período Pós-Guerra foi marcado por uma intensificação da emigração alemã. Todos aqueles que pensavam em emigrar procuravam informações sobre o país. Nenhuma das muitas publicações a respeito oferecia, porém, informações de interesse para a situação de vida de um europeu do século XX. Alguns dos livros sobre o Brasil tinham sido pagos pelo Govêrno, como a obra "L'Etat de São Paulo", publicada em francês. Os interessados tinham assim uma visão por demais positiva do país, à qual se mesclavam idéias românticas e aventureiras. Também o autor quís escrever um livro agradável de leitura, sem porém perder a objetividade e a veracidade. Para isso, procurou evitar generalizações. Ao invés de tratar do Brasil como um todo, preferiu concentrar-se na região da floresta de São Paulo, situada no ângulo mais ao sul, entre o Rio Paraná e o Rio Tietê.

Johannes Kretzen Sao PauloA cidade de Araçatuba, situada às margens da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, não se encontrava, na época, nem na enciclopédia "Brockhaus", de 1928, nem no "South American Handbook 1929", nem mesmo no "Commercial Travelers' Guide to Latin America". Também a existência do Rio Aguapeí era desconhecida na Europa. Araçatuba só aparecia em mapa ferroviário brasileiro e na "Carta internacional do Mundo", publicada pelo Club de Engenharia do Rio de Janeiro, obra terminada em 1922. O geógrafo Otto Maull, em artigo publicado no "Berliner Tageblatt", em 1924, a respeito de uma viagem de pesquisas pelo Brasil, referiu-se à essa região como uma Zona Florestal "Febril" com pequenos núcleos populacionais. Paralelamente à exploração do Rio Aguapeí deu-se a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a ocupação de um território até então habitado pelos índios "Cayuas". (op.cit. 47-51) O personagem do livro, Fritz Reuling, viajou de Araçatuba até o Rio Aguapeí de trem, seguindo depois por picadas até uma colonia situada entre esse rio e o Rio do Peixe.

Johannes Kretzen AracatubaQuestionável na obra de J. Kretzen é o fato de o autor misturar no seu relato observações feitas em outras regiões. Assim, sem citar a obra de G. Stutzer, nele se baseia ao fazer os seus comentários sobre a música sacra:

"A Igreja adaptou-se a essa situação de ignorância. [...] Ela faz do culto um divertimento para as camadas mais baixas. A música sacra é um exemplo.
Um teuto-brasileiro evangélico contou a Fritz Reuling durante a viagem à Europa que ele ouviu em Santos, numa igreja católica, durante uma solenidade religiosa, uma banda tocar uma valsa de Strauss. Fritz não quis acreditar no fato; ele achou que seria um exagero odioso de um adepto de outra religião. Até que ele leu o testemunho do Pe. Sinzig:
'A música nas igrejas brasileiras já foi alvo freqüente de disposições episcopais e do escândalo e gozo de estrangeiros e de não-católicos, e não é raro que se encontre em obras literárias de outros países descrições pouco honrosas a seu respeito. Apesar disso ainda não desapareceram até hoje os Glorias, que com as suas árias e repetições exageradas duram meia hora; os solos teatrais, as aberturas de ópera, as marchas e as peças de concerto, etc.'
Pedro Sinzig não nega, portanto, a veracidade da crítica dos 'estrangeiros e não-católicos'; ele só ousa dizer: 'Felizmente aumenta o número de igrejas e capelas onde a música segue as leis da Igreja, e já há algums onde, pelo menos em algumas ocasiões, a música sacra pura proporciona um prazer artístico.'
No mesmo Santos, do qual o viajante relatou, Fritz Reuling travou conhecimento com as festas religiosas no Brasil e com o exercício religioso como divertimento, como se demonstra no tipo de música sacra. Quando ele chegou no bordo do 'Gelria' em Santos, caiu ele imediatamente na agitação da Festa de S. João, em homenagem ao Batista.
Que carnaval que chegava até ao cais! Para dizer a verdade: uma festa realmente popular, na qual participava toda a população, também (e sobretudo) os pobres. A cidade quase sufocada em bandeiras. Bandas de música por todo o lado. Nenhum traço de santidade: que música circense e profana, mais barulhenta do que bem tocada. Pancadaria, metais, clarinetas estridentes. E o toque de numerosas sanfonas: há inúmeráveis desses instrumentos, 'Pianos de Marinheiro', na cidade portuária."
(op.cit. 68-70)

 

Eben begann das Trommeln wieder. Langsam setzte es an, fast tastend, als ob eine Melodie erst prüfend versucht werde. Auf vier Trommeln zugleich ging es dann in ein lebhafteres Tempo über. (...). Lauter und lauter aber wurde es noch, schneller und schneller. Der Schweiß auf der dunklen Haut der Trommler glänzte nun im Schein des niederbrennenden Feuers nur noch matt, nicht mehr hell im Niederrinnen wie am Tage.
Einzelne der sitzenden und lagernden Caboclos sprangen auf, begannen herum zu hüpfen. Sie bewegten sich unter allerhand Verrenkungen (...). Je lauter die Trommeln dröhnten, je schneller der Rhythmus der Melodie wurde, um so mehr der Lagernden sprangen auf. Sie bildeten Reihen und Kreise. Nun noch schneller, geradezu wirbelnd sich bewegend. Schrille Schreie stiegen auf zum stillen Nachthimmel. Die Arme warfen die Tanzenden empor. (...)
Offenbar gaben die Tanzenden in der Ekstase nun den letzten Rest ihrer Körperkraft her. Wie lange dauerte der Tanz doch noch! Aber nun endete Tanzen und Trommeln zugleich in einem unglaublich rasenden dumpfen Wirbel.

Johannes Kretzen, op.cit. 79-80

O autor dedicou longos trechos de seu livro à religiosidade do caboclo e, em particular, à música de atabaques relacionada com o culto do "Senhor da Mata":

"Esses [mesmos] toques de atabaque abriram na manhã seguinte o dia de festa. Nenhum de todos os homens do rancho sabia explicar como é que era produzido aquele barulho que os tinha tirado do sono. Somente mais tarde é que viram que os caboclos tinham cortado alguns troncos de árvore (que deveriam ser de um tipo especial) de quase um metro de comprimento e que tinham fechado as aberturas laterais com tábuas de caixas, no centro das quais havia um orifício. Com claves pesadas eles batiam nos troncos, colocados sobre alguns ramos grossos, e produziam assim um 'som de tambor'. Os tocadores tiravam deles até mesmo um rítmo pesado, com pancadas diferentes quanto à intensidade e à rapidez.
O barulho dos tambores era apenas um sinal, de manhã, pelo menos. Não muito longe dalí soltaram-se foguetes com muito estrondo e gritos de alegria, sobretudo tiros de rojões, impressionantes até mesmo de dia. De entremeio soavam tiros de espingarda e de revólver. E então soou um canto arrastado, uma canção aparentemente com muitas estrofes, que na verdade era apenas uma, sempre repetida como fórmula de invocação.
Parecia ser uma 'missa matutina'. Mas não era nada cristão! Os caboclos chamavam o Espírito da Mata, não um santo da Igreja, para o que talvez S. Simão, o padroeiro dos serradores, talvez viesse em questão, cuja festa no calendário cai no dia 28 de outubro. Não, não era uma personalidade do armário de invocações da Igreja Católica, mas sim - e isso bem insofismávelmente - um ser fabuloso da tradição indígena: o Senhor da Mata.
O Senhor da Mata era chamado para proteger da queda de árvores. Era também a razão da parada de trabalho: quem corta mata no dia 1° de agosto, será morto pela mata até o próximo dia 1° de agosto. Portanto: 'Nós festejamos, nós nos submetemos a Tí, ó Senhor! Por isso protegei-nos.' O que era mais estranho era que alguns dos cantores faziam o Sinal da Cruz durante o canto. E não se cansavam de fazê-lo, sempre que soava o canto que repetiu-se freqüentemente durante o dia, mesmo durante peregrinações na mata.
[...]
Também a noite de festa abriu-se com barulho selvagem de tambores. A herança do passado indígena mostrava a antiga força, com a qual os tambores tinham servido antigamente como telégrafos sem fio. Eles deviam agora enviar a música de dança.
O jantar foi mais uma vez uma ceia, mas com pinga, muita pinga. Antes foi chamado mais uma vez o 'Senhor da Mata' com intermináveis cantos. E depois da comida também, agora de forma mais viva: a pinga ajudava as cordas vocais.
O sol movia-se cada vez mais em direção ao Ocidente; a noite desceu. O céu noturno brilhava em azul aveludado, em cor mais quente do que na Alemanha. Lanternas de estrelas ofuscantes na infinda amplidão. Lentamente brilhou o Cruzeiro do Sul, ornamento das armas brasileiras e tema de muitos suspiros poéticos e de poemas líricos cheios de sentimento.
Para esse cruzeiro de estrelas os Caboclos soltaram então os primeiros foguetes, que faziam as alturas em azul escuro ficarem ainda mais matizadas com as fagulhas coloridas de luz, ainda mais do que já eram com o azul do firmamento e o ouro fumegante das estrelas. Seguiu-se um trovejar de fogos menores. O soltar de fogos não andava suficientemente rápido para os festeiros. Uma dúzia de mãos procuravam, ao mesmo tempo, aumentar o barulho e os foguetes.
Enquanto isso, os caboclos pulavam ao redor, gritavam jubilosos, batiam-se uns aos outros nas costas em abraços amigáveis, portavam-se de forma tão entusiasmada como se para eles na Terra só houvesse coisas belas e que a essa noite não se sucedesse um quotidiano cinza e cheio de trabalho pesado.
Mais uma vez, e agora, assim pareceu ao Friz, de forma particularmente cheia de expressão, os caboclos cantaram ao seu Senhor da Mata. Quase que se poderia crer que eles tinham depois a alegria da certeza profunda de terem sido ouvidos, e que não seriam atingidos durante um ano por queda de árvores. Ao Fritz pareciam eles ser almas redimidas, livres de preocupações.[...]
Quando apagou-se o último fogo de artíficio, começaram os tiros de armas, que já tinham antes contribuído para o barulho dos fogos. [...]
Fritz dedicou toda a sua atenção a que acontecia ao seu redor. Os tambores começaram de novo. Iniciaram devagar, quase tateando, como se uma melodia precisasse ainda ser procurada e examinada. Fritz estava tão próximo do canto do tambor que ele gostaria antes de tapar os ouvidos. O toque tornou-se cada vez mais alto, cada vez mais rápido. O suor na pele escura dos tocadores brilhava agora à luz do fogo [...]
Alguns dos caboclos que estavam sentados ou agachados ao redor começaram a saltar. Eles se movimentavam com todo o tipo de contorsões, nas quais Fritz não conseguiu ver nenhuma regra artística determinada. Quanto mais alto soavam os tambores, quanto mais rápido ficava o rítmo da melodia, tanto mais pessoas levantavam-se. Elas formavam filas e rodas. Agora movimentando-se ainda mais rápidamente, quase em giros. Gritos agudos elevaram-se para o calmo céu noturno. Os dançadores levantavam os braços para cima. Soou um texto (com palavras incompreensíveis para Fritz e para os outros brancos), cantado por gargantas roucas.
Pelo que parecia, os dançantes davam no êxtase agora o último resto da sua energia física. Quanto tempo já durava a dança! Mas agora o dançar e o bater de tambor acabavam ao mesmo tempo num repicar incrível e abafado. (Como é que os homens conseguiam bater com as pesadas clavas, que nem poderiam ser chamadas de baquetas de tambor!)
Os dançadores caíram fatigados. Dos lábios de alguns saía espuma. Os tocadores deixaram cair as baquetas e atiraram-se também ao chão.[...]"
(op.cit. 74-80)

Apesar da importância deste relato de J. Kretzen, cumpre salientar que é falsa a sua interpretação dos conceitos relacionados com o "Senhor da Mata" e com a sua suposta procedência indígena. Em futuros cadernos desta publicação tratar-se-á novamente do tema, também de interesse musicológico.

 

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