Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 14 (1991: 6)


 

DA CONCEITUAÇÃO DO CLÁSSICO E DO CLASSICISMO NO BRASIL (2)

Estilo de época e estilo de grupo

Antonio Alexandre Bispo

Para que a história da música de países do Sul da Europa e da América Latina possa perder um carácter de exclusiva história de "transplantação" ou de "recepção" de cultura musical (Rezeptionsgeschichte), - talvez um dos mais graves problemas da concepção historiográfica influenciada por idéias de antropologia cultural da atualidade -, a sua consideração exige critérios que, apesar de todas as dificuldades, se orientem segundo um estilo do tempo, não segundo um estilo de grupo, por mais alta que seja a sua excelência. Se, na verdade, é "o extraordinário, não o normal, o que mais chama o nosso interesse", (Charles Rosen, Der klassische Stil: Haydn, Mozart, Beethoven; Munique/Kassel 1983, 20) deve-se salientar que o reconhecimento daquilo que é extraordinário em determinado contexto cultural só pode corresponder ao dever da procura da objetividade científica se basear-se no conhecimento do "normal". É pouco provável que se possa indicar com propriedade e justiça histórica vultos extraordinários na histórida da música de Portugal e do Brasil do século XVIII sem um levantamento tão amplo quanto possível de fontes e obras.

O conceito de estilo de grupo tem sido definido como "uma imagem ideal, uma tentativa de ordenação, um conceito, com o auxílio do qual pode-se interpretar transformações da linguagem musical sem que o estudioso se perca na massa dos mestres-menores. Estes, - em parte até que bons -, não foram bem lúcidos a respeito da orientação que seguiram, basearam-se em práticas tradicionais, já não mais adequadas ao novo contexto e brincaram com idéias cuja formulação convincente superaram as suas forças...". (Charles Rosen, op.cit.) Tal questionável conceituação só não será expressão de atitude não-científica, injusta e discriminatória se puder basear-se em fatos históricos suficientemente comprovados em cada caso particular. Sabe-se, porém, que a obra desses numerosos "mestres-menores - em parte até que bons", ainda não foi suficientemente estudada, mesmo na Europa Central. Aquí vale ainda o que foi afirmado em 1927 com relação à pesquisa de Carl Philipp Emmanuel Bach: "Após tantas modificações e dúvidas torna-se necessário criar uma imagem histórica mais objetiva de sua personalidade, o que somente poderá ser feito com base em amplo conhecimento musical. Só a partir de tais fundamentos, a serem criados crítico-estilísticamente, é que se poderá ordenar tal imagem num contexto maior de relacionamentos históricos. Os elos do artista com o Classicismo musical, acima de todas as coincidências, mais ou menos incidentais, apresentar-se-ão de tal forma que, em lugar de uma influência consciente, o estudioso deverá procurar um plano espiritual supra-individual comum que una a obra de E. Bach com o mundo de Haydn, Mozart e Beethoven." (Willi Kahl, "Geschichte, Kritik und Aufgaben der Karl Philipp Emmanuel Bach-Forschung", in Beethoven-Zentenarfeier/Internationaler Musikhistorischer Kongress, Viena 1927, 211-216, 216)

A opinião, segundo a qual não há "um estilo clássico, porém só um estilo dos clássicos Haydn e Mozart", (Hans Engel, "Die Quellen des klassischen Stils", in Report of the eighth Congress, op.cit. 285) deve forçosamente repercutir de forma negativa na pesquisa histórico-musical de grande parte do mundo de cunho cultural ocidental. Tal constatação não significa, porém, absolutamente, minimizar o significado estético-valorativo desses grandes compositores e de suas obras. Se "a Unidade da Tríade Haydn-Mozart-Beethoven (...) não reside na Unidade das obras, mas sim na Unidade do significado histórico de seus criadores", (Arno Forchert, "Klassisch und romantisch in der Musikliteratur des frühen 19. Jahrhunderts", Die Musikforschung 31, 1978, 405-425, 424) então deve-se considerar tal unidade acima de toda e qualquer questão. No sentido de uma "perfeição da arte", até mesmo do "mais alto cume da formação espiritual e obra ideal", (Hans Engel, "Die Grenzen der romantischen Epoche und der Fall Mendelssohn", in Festschrift Otto Erich Deutsch zum 80. Geburtstag, ed. W. Gerstenberg, Jan LaRue e W. Rehm; Kassel 1963, 259-272, 261) são eles clássicos, independentemente de toda e qualquer a mudança de perspectiva, caso o conceito seja usado no sentido de qualificação estética.

Na consciência de que "clássicos não surgem do nada", mas sim que apenas se desenvolvem em "terreno bem cultivado", (Eberhard Pressner, "Die Wiener Klassik und ihre Landschaften", E. Preussner, Schriften, Reden, Gedanken: eine Auswahl; Salzburg 1969, 129-136, 133) devem ser eles considerados como "pontos culminantes", (Leopold Nowak, "Die symphonische Kirchenmusik", Handbuch der katholischen Kirchenmusik, ed. H. Lemacher e K.G.Fellerer; Essen 1949, 201-205,203) como o Especial, no qual pode ser procurado o Geral. A procura do Geral porém não pode ser confundida com uma Generalização que tire, dos conhecimentos ganhos da análise de um estilo de grupo ou de um estilo pessoal, critérios que condenem grande parte da criação contemporânea do mundo de cultura ocidental à insignificância da mediocridade.

No seu estudo sobre "Os preconceitos na consideração da música clássica vienense", o musicólogo Jens Peter Larsen salientou que a música dos clássicos de Viena, "como a de um Bach ou Josquin des Prés, deve ser vista como algo existente com direitos próprios e não como algo a ser observado retrospectivamente a partir de uma evolução posterior". (op.cit. 196) Esse apelo a uma atitude de consideração histórica a partir de seus próprios pressupostos, - e que todos os especialistas deveriam procurar incarnar, mesmo na consciência de nunca poder atingí-la com absoluta perfeição -, não vale apenas para o estudo da obra de Haydn, Mozart e Beethoven, mas para todos os compositores de seu tempo. Se é em parte válido afirmar, com relação à questão do "estilo de Mozart" que "ao mundo interior criativo de Mozart concorreram em plenitude sintética os resultados mais valiosos da produção musical contemporânea de então", fenômenos que receberam "através da recriação genial de Mozart uma re-valorização decisiva", (Jan Racek, "Zur Frage des Mozart Stils in der tschechischen vorklaassischen Musik", in Bericht über den Internationalen Musikwissenschaftlichen Kongress Wien, op.cit. 493-524, 523) isso não pode justificar que se diga, em generalização, que o "estilo anônimo" ou "comum do século XVIII" nada mais fora do que um "resto que nada significa de superadas tradições". (Charles Rosen, op.cit. 21)

Como não há linha demarcatória definida entre o Pré-Clássico e o Clássico, o estudioso é confrontado com uma diversidade estilística. Sendo válido o pressuposto, de que "depende muito da tendência do observador querer demonstrar linhas comuns ou contrárias" (Jens Peter Larsen, cit. in Hellmut Federhofer, "Georg Reutter D.J. als Mittler zwischen Johann Joseph Fux und Wolfgang Amadeus Mozart", in Kirchenmusikalisches Jahrbuch 66, 1982, 83ff.,87) num determinado processo histórico-musical, então também é possível procurar, no caso, fenômenos e desenvolvimentos que ofereçam possibilidades de comparação para um tratamento da História da Música no sentido amplo do mundo de cultura ocidental. Impõe-se aquí, de forma clara, a necessidade de uma atenção mais cuidadosa à música sacra dos séculos XVIII e início do XIX, pois foi nessa esfera que cresceu a grande maioria dos músicos, não só na América Latina, nos países ibéricos, na Itália, como também no assim-chamado "polígono das forças" musicais, no centro do qual se situa a Baviera. (Oskar Kaul, "Die Ausstrahlung der Wiener Vorklassiker nach Würzburg", in Beethoven-Zentenarfeier/Internationaler Musikhistorischer Kongress, op.cit. 208-210, 208) Assim, são do maior interesse as obras sacro-musicais de Johann Stamitz, um compositor que "é em sí um precursor imediato de Haydn, embora ainda não bem na consciência de seus sucessores",(Horst Scharschuch, "Johann Stamitz", in Archiv für Musikwissenschaft 33,1976, 189-212, 209) sobretudo por representarem "o fundamento do desenvolvimento musical de Haydn e indicarem especialmente a evolução de determinadas qualidades estilísticas". (Peter Gradenwitz, "Johann Stamitz als Kirchenkomponist", in Die Musikforschung 11,1958,2-15,3)

Também nas obras sacro-musicais do jovem Haydn pode-se demonstrar a evolução do seu "estilo pessoal": "Jens Peter Larsen demonstrou claramente que a 'mudança de estilo na música austríaca entre o Barroco e o Classicismo Vienense' não foi uma transformação repentina, mas sim uma síntese e um resultado de um desenvolvimento contínuo e progressivo. Também Haydn deveria ser visto como um elo nessa cadeia e não pode ser considerado por independentemente do seu ambiento musical. Só o conhecimento exato das fontes ainda não estudadas poderá trazer luz definitiva à questão." (Christoph-Hellmut Mahling, "Der junge Haydn-Eine internationale Arbeitstagung in Graz, 29.Juni-2.Juli 1970", in Die Musikforschung 23,1970, 454-457, 456)

 

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