Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 13 (1991: 5)


 

Musica Sacra Andrade MuricyEm 1956, Andrade Muricy publicou no Jornal do Comércio (18 de abril) artigo referente à inauguração do órgão da Basílica de N.Sra. Auxiliadora de Niterói. Esse artigo foi republicado sob o título O Novo Órgão da Basílica de N. Sra. Auxiliadora, de Niterói: Grandes Músicas em Santa Rosa na Revista Musica Sacra. (Petrópolis XVI, maio-junho e 1956, 76-78) O autor salientou no seu relato a ação idealística dos Salesianos e o significado do instrumento para a cidade e o Brasil:

"Nenhuma despesa, - e foi imenso o sacrifício de muitos, - mais realmente generosa e profícua do que essa aquisição, que enriquece, além da Basílica (que passou, por isso, a ter interesse turístico), o Brasil inteiro. Esse instrumento tem a duração de séculos, quando devidamente cuidado, quando não reduzido ao mofado e criminoso mutismo que tem inutilizado, aqui no Rio, vários e caros instrumentos.(...) O instrumento foi abençoado pelo Sr. Arcebispo D.Jaime Cardeal Câmara, vigilante guardião da música sacra no Brasil (na sua notável Quarta Pastoral). O Sr. Ministro da Educação e Cultura paraninfou o ato inaugural, confirmando-o mediante judiciosa e erudita lição sobre a música sacra e sua função cultural e religiosa, pronunciada com autoridade serena."

Em 1987, o instrumento foi re-inaugurado. Nesse ano, Calimério Soares, Professor do Departamento de Música da Universidade Federal de Uberlândia investigou o estado do instrumento.

 

O GRANDE ÓRGÃO TAMBURINI DA BASÍCA NOSSA SENHORA AUXILIADORA DE NITERÓI

Prof. Calimério Soares
Universidade Federal de Uberlândia

 

Introdução

Foi pelos idos de 1959/60 que tivemos em mãos - publicado num dos Suplementos de Domingo do jornal O Correio da Manhã, do Rio de Janeiro - um artigo intitulado Esquecido em Niterói o Quinto órgão do Mundo, de autoria de Guimarães Nato.

O artigo causou-nos grande admiração, pois, jamais havíamos imaginado que existisse no Brasil instrumento de tão grande porte.

Desde então, acalentávamos em nosso espírito o desejo de visitar Niterói com a finalidade de conhecer de perto aquele fabuloso instrumento. Entretanto, os anos foram passando e nunca conseguíamos oportunizar a realização daquele intento.
Mas, 1986 foi o ano decisivo.

Através de conhecidos, conseguimos entrar em contato com o Sr. Nemo Augusto Carvalho que, na ocasião, estava desenvolvendo os trabalhos de restauração do grande órgão. Iniciamos então uma correspondência amistosa que se transformou num veículo de recíproca admiração pelos trabalhos que desenvolvíamos sobre o "Rei dos Instrumentos". Mais tarde, um convite se formalizou para que visitássemos Niterói e o gigantesco órgão.

Ali chegando, em janeiro de 1987, pudemos visitar e apreciar de perto os trabalhos de restauração que se desenvolviam sob a orientação do ilustre amigo, o Sr. Nemo Augusto Carvalho.

 

A Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora

Situada ao lado do Colégio Salesiano, à rua Santa Rosa, teve a sua primeira pedra lançada em 15 de dezembro de 1901. Este grandioso Santuário, em estilo eclético (mourisco, manuelino e neo-gótico), foi inaugurado a 14 de julho de 1933.
A majestosa nave - contornada por altas colunas de fustes canelados e encimadas por capitéis coríntios - sustentam imensas abóbadas em ogiva.

No transepto central, as fachadas dos dois órgãos menores ladeiam o altar-mor.

Sobre o altar-mor, ergue-se a grande cúpula que deixa penetrar suave luminosidade em tom azul, banhando com delicadeza todo o conjunto.

Do balcão semi-circular do grande coro, a fachada do Grande Órgão domina a imensa nave.

Em toda a sua brancura interior, recebe cores de várias tonalidades, advindas da luz solar através dos lindos vitrais.

É um grandioso Santuário, belíssimo em sua simplicidade e singeleza...Um verdadeiro convite à oração.

 

O órgão

Instrumento de procedência italiana, foi fabricado nas oficinas da Pontificia Fabrica d'Organi Tamburini, de Crema, segundo um projeto elaborado pelo brilhante organista Fernando Germani. O órgão foi instalado na Basílica por técnicos da mesma fábrica, em 1956. Dividido em três corpos, possui duas consolas de tração eletro-pneumática e 11.130 tubos sonoros. A consola maior ou principal possui cinco teclados manuais e pedaleira radial-côncava que comanda todo o instrumento. A consola menor possui dois teclados manuais e pedaleira radial-côncava a qual comanda apenas o órgão Coral. Os três corpos assim estão distribuidos na grande nave da Basílica: o Grande órgão que com sua fachada domina toda a extensão do grande coro, situado acima das portadas principais de acesso ao templo; o órgão Coral ocupa a tribuna do lado do Evangelho e o órgão de Éco, situado na tribuna da Epístola, corresponde ao quinto teclado da consola principal, através do qual é acionado.

Fornecida por três retificadores, a corrente elétrica produz 140 Amp. que, canalizados por meio de 32 mil contatos através de outros tantos circuitos formados por 55 mil metros de fios para as várias ligações, vão fazer funcionar os 2.894 eletromagnetos que provocam a abertura das válvulas. O ar produzido por 4 eletroventiladores, com uma potência complexiva de 9 H.P. é distribuido em 24 foles que fornecem ar, com tantas outras pressões (que vão desde os 0.004 aos 0.006 de atmosfera) aos 12 someiros principais e aos 18 secundários, por meio de 250 metros de canais. Nos someiros estão colocados 11.130 tubos sonoros dos mais variados tamanhos, que vão desde o pequenino de 22 cm de comprimento ao maior com 10 metros.

 

Fachadas

Constituidas por um corpo principal e dois secundários, apresentam-se na seguinte disposição:
a) Fachada do órgão Coral, que se encontra instalado na tribuna do lado do Evangelho, possui 55 tubos dispostos em forma de mitra;
b) Fachada do órgão Éco, que se encontra instalado na tribuna oposta,ou seja, do lado da Epístola, possui 51 tubos dispostos na mesma conformação da do órgão Coral;
c) Fachada do Grande Órgão que domina todo o grande coro da Basílica, possui 133 tubos dispostos em forma de grandes e pequenas mitras, preenchendo com 72 tubos os dois nichos laterais, coroando com 61 tubos toda a parte central. O conjunto todo é um magnífico espetáculo arquitetônico que complementa a serena e majestosa nave da Basílica.

 

Consolas

As duas consolas são: 1) A menor, que comanda o órgão Coral; 2) A maior ou principal, que comanda todo o instrumento.

1) A consola menor, situada na tribuna sob o órgão Coral, possui dois teclados manuais de 61 teclas cada, na extensão de Do a Do e pedaleira côncava-radial de 32 teclas, na extensão de Do a Sol. A disposição dos registros é feita em sentido horizontal por sobre os teclados, constituída por plaquetas. Sob os teclados manuais estão os botões que comandam os diversos acoplamentos para as combinações livres. Sobre a pedaleira estão os pedais de expressão, ladeados por pedaletes também responsáveis pelo acoplamento das combinações livres e fixas. No costado esquerdo dos teclados manuais, encontra-se o transpositor para 1/2 tom e tom acima e abaixo, recurso apropriado à sua principal finalidade que é a de acompanhamento.

 

Recursos Sonoros

a) Esquema geral de disposição

b) Resumo

c) Observações
Tratando-se de um instrumento para acompanhamento, o órgão Coral também pode ser comandado da consola maior ou principal. Assim sendo, incrementa com isso todo o conjunto do Grande Órgão quando executado da consola principal, possibilitando maiores condições de estereofonia, o que irá enriquecer quaisquer interpretações musicais, principalmente, de peças do repertório romântico, neo-romântico e contemporâneo. Este instrumento pode ser também usado pelos organistas durante seus horários de estudos.

2) A consola maior ou principal possui cinco teclados manuais de 61 teclas cada, na extensão de Do a Do e pedaleira côncava-radial de 32 teclas, na extensão de Do a Sol. Encontram-se nos costados esquerdo, direito e central (acima do quinto teclado) 211 plaquetas que comandam os registros, acoplando ou anulando estes ou aqueles registros, botões sob os teclados pelos quais várias combinações livres podem ser preparadas pelo executante. Acima da pedaleira encontram-se cinco pedais de expressão sendo quatro os que acionam as caixas expressivas correspondentes aos I, III, IV e V manuais, mais o pedal aumentativo ou crescendo. Do lado esquerdo desses pedais de expressão, encontram-se 14 pedaletes responsáveis pelas combinações livres correspondentes aos botões dos teclados manuais, assim como, do lado direito estão mais 7 pedaletes, dos quais 4 correspondem aos anuladores e 3 às combinações fixas de Fondi, Ance e Tutti.

 

Recursos sonoros

a) Esquema geral de disposição:

b) Resumo

c) Observações
Pela riqueza de registros que possui, pela facilidade de manejo de que dispõe através de seus mais diversos recursos eletro-mecânicos, este gigantesco órgão está apto a dar cobertura a toda a literatura musical escrita para o instrumento. Trata-se de um órgão sinfônico, de um instrumento completo. O organista pode com ele executar obras de Byrd, Gibbons, Farnaby, assim como de Frescobaldi, Cabezón, além de Franck, Max Reger, dos mestres da chamada "Escola Francesa" como Widor, Vierne, Dupré, Saint-Martin, Messiaen e outros.

Tendo sido projetado pelo consagrado organista italiano Fernando Germani, o instrumento apresenta aspectos de semelhança com outros grandes órgãos de fabricação francesa, inglesa e americana dos últimos 60 anos. Observamos nele a influência do grande "facteur d'orgues" Aristide Cavaillé-Coll na disposição dos cinco teclados manuais e nos diversos registros que os compõem.

O órgão em si como instrumento de grandes proporções nada deve aos de Notre Dame, Saint-Sulpice ou do Sacré-Coeur de Paris, perdendo apenas para os extremamente gigantescos, tais como os famosos Wanamaker, na Philadelphia e o do Auditorium Convention Hall em Atlantic City, com sete teclados manuais, pedaleira e 32.914 tubos: o maior órgão do mundo!

Como instrumento "sinfônico" (além de apresentar grandes possibilidades expressivas) produz a estereofonia, justamente, por sua disposição em dois extremos da grande nave da Basílica, ou sejam, ladeando o altar-mor (órgãos Coral e Eco) e tomando todo o grande coro (Grande Órgão, formado pelo Positivo, Grande Órgão, Recitativo e Solo).

O organista francês Leónce de Saint-Martin (1886-1954, sucessor de Louis Vierne como organista titular em Notre Dame de Paris) provavelmente o consideraria perfeito, pois considerava o grande órgão Cavaillé-Coll de Notre Dame de Paris um "instrumento cósmico" ("instrument cosmique"). Portanto, para instrumento destas proporções, não seriam necessárias quaisquer outras condições que o tornassem maior e mais complexo como aqueles instrumentos americanos acima citados.

Como instrumento construido em nosso século, é perfeitamente equilibrado no que tange à sua estrutura, elevada qualidade fônica e grande facilidade de manejo.

Da consola principal, o organista põe em movimento todo o gigantesco complexo instrumental.

O primeiro teclado manual, o Positivo-Expressivo, tem seus tubos encerrados numa caixa expressiva. Dele constam jogos de registros suaves. É ideal para acompanhar melodias executadas no G.O. ou no REC. Os dois registros de lingüetas que possui,podem ser usados à "solo".

Deste mesmo teclado, o organista pode acionar o Órgão Coral à distância, bastando para isto apertar um dos dispositivos existentes ao lado direito por sobre o quinto teclado manual. Para o efeito de estereofonia, o organista pode conseguir um equilíbrio bastante satisfatório. Os jogos que compõem o Órgão Coral são em geral comuns na maioria dos pequenos órgãos Tamburini. Tem no primeiro manual os jogos de fundo, o Ripieno de 5 fileiras e uma Tromba 8'. Nosegundo manual, os jogos de registros suaves, as misturas e o Oboe 8'. Estes registros são acionados um a um ou simultaneamente da consola principal.

O segundo teclado manual, o Grande Órgão, possui registros de grande força sonora. Nele estão representados os diapasões em 16, 8, 4 e 2 pés. É rico em misturas. As lingüetas ali estão bem representadas pela Tromba em 16 e 8 pés e o Clarone 4'. Toda a força e pujança é conseguida, acoplando-se-lhe os demais teclados.

O terceiro teclado manual, o Recitativo-Expressivo, tem seus tubos encerrados numa caixa expressiva. Além dos registros flautados, estão ali representadas a família das "cordas" e jogos cantantes de lingüetas. As misturas reforçam a beleza dos jogos de fundo, enriquecendo-os em harmônicos. A Arpa e os Sinos (Campane) agregam-lhe efeitos especiais.

O quarto teclado manual, o Solo, é bastante rico em jogos de lingüetas. Seus tubos encontram-se também encerrados em caixa expressiva. Nos órgãos franceses, este teclado geralmente recebe o nome de "Clavier des Bombardes", dada a quantidade de registros de lingüetas que possui.

O quinto teclado manual, o Éco, tem seus tubos encerrados em caixa expressiva. como o Órgão Coral, este órgão de Éco encontra-se bastante distanciado da consola principal. Seu efeito de éco está mais para quem o escuta, estando à entrada principal da Basílica ou no grande coro. Para quem o escuta próximo ao altar-mor, deixa de sentir tal efeito passando a escutá-lo como órgão independente. Neste teclado estão representados os jogos suaves de flautas, cordas e lingüetas, além da Arpa e dos Sinos que lhe enriquecem sobremaneira com efeitos especiais.

O teclado de Pedais é rico em jogos de flautadas e de lingüetas em 32, 16, 8 e 4 pés, assim como em misturas. Os sinos podem ser tocados deste teclado. Os registros de 32 pés apoiam a massa sonora do instrumento, dando-lhe profundidade.

 

Estado Geral do Instrumento

Este fabuloso órgão normalmente requer manutenção periódica e que já vem sendo dada pelo Sr. Nemo Augusto Carvalho. O estado geral do instrumento é bastante bom, faltando apenas - dentro dos trabalhos de restauração - a recuperação de alguns circuitos elétricos que se acham deteriorados pela ação do tempo.

Re-inaugurado em 12 de setembro de 1987 pelo organista italiano M°. Renzo Buja, este órgão só poderá continuar em pleno funcionamento, principalmente, com a dedicação, competência e zelo com que o Sr. Nemo Augusto Carvalho lhe vem dispensando.

Bibliografia

Audsley, George Ashdown. The Art of Organ Building. New York, Dover Publications, Inc.,1965.2v.
Balbiani, Cesare. I Registri nella Struttura Fonica dell Organo. Ancona, Edizioni Berben, 1975.
Coignet, Jean-Louis. Le Grande Orgue de Notre Dame de Paris de 1868 à nos jours. La Flüte Harmonique n° 14, revue de l'Association Aristide Cavaillé-Coll, 1980: 4-23.
Faust, Oliver C. A Treatise on the construction, repairing and tuning of the Organ. Boston, Tuners Suplly Co., 1949.
Kerr, Dorotéa. Possíveis causas do declínio do órgão no Brasil/Catálogo dos Órgãos no Brasil. Rio de Janeiro, Escola de Música da UFRJ, 1985, 2v.

 

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