Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 13 (1991: 5)


 

Da Conceituação do Classicismo no Brasil I

Da Difusão do estilo clássico: fenômeno pan-europeu e o Brasil

Antonio Alexandre Bispo

No que diz respeito à difusão estilística, salienta-se freqüentemente o significado do Classicismo como fenômeno pan-europeu por excelência. A questão "Qual seria portanto a área geográfica do Classicismo?" é respondida da seguinte forma:

"Aquela de Nápoles a Hamburgo, da Hungria e Bohemia até Paris e Londres, ou seja, toda a Europa cultural da época. Os mestres possuem em sí um estilo europeu. Sobretudo o Mozart de 'Salzburg' é um europeu por excelência. Haydn, o homem do pequeno território entre a Baixa Austria, Burgenland e Viena é na sua atitude e ação um homem cosmopolita. Beethoven é um romântico de cunho pan-europeu." (Eberhard Pressner, "Die Wiener Klassik und ihre Landschaften", in E. Pressner, Schriften, Reden, Gedanken: Eine Auswahl; Salzburg 1969, 129-136, 133)

Pergunta-se aquí, porém, aonde fica nessa concepção a enorme área do Novo Mundo na qual foram cultivadas não apenas obras de compositores europeus da época como também de numerosos mestres locais portadores de recursos estilísticos afins. Esta questão é respondida, em geral, com a observação de que se trataria no caso de uma área de influência, ou seja, de um fenômeno colonial. A consideração dessa área simplesmente como região de difusão de um determinado estilo europeu deve porém ser considerada inadequada, dada a existência de linhas próprias de desenvolvimento histórico locais e regionais e de características próprias do cultivo musical nos diversos centros.

Na bibliografia especializada fala-se, é verdade, de um amplo "espectro de localidades" na "topografia" do Classicismo: "metrópoles, como Londres e Paris, residências e cortes de príncipes e autoridades eclesiásticas, como Potsdam, Mannheim, Dresden, a Roma pontifícia ou Salzburg do arcebispo eleitor; culturas urbanas (...) como em Viena, em Leipzig, em Veneza ou em Berlim." (Peter Rummenhöller, Die musikalische Vorklassik: Kulturhistorische und musikgeschichtliche Grundrisse zur Musik im 18. Jahrhundert zwischen Barock und Klassik; München/Kassel 1983, 27).

Nessa relação faltam porém curiosamente as grandes metrópoles de países com vastas colonias, Lisboa e Madrid, que, ainda que de importância relativa na pesquisa específica do "Classicismo Vienense", mesmo assim deram impulsos e formaram compositores de diversas regiões num intercâmbio transcontinental de dimensões hoje insuficientemente consideradas.

Também as "fontes do estilo clássico", indicadas na literatura especializada e nas quais segundo renomados autores já se revelaria o "pan-europeismo" do Classicismo, refletem uma visão demasiadamente limitada e inapropriada para satisfazer as necessidades de uma investigação que considere o desenvolvimento geral do mundo de cultura de cunho ocidental. Citam-se, a saber, as seguintes "fontes": "1) a escola de Viena; 2) a escola de Mannheim; 3) a escola nórdico-alemã, C.Ph.E.Bach e os mestres de teclado alemães de Paris; 4) os franceses. Para todos estes foi porém a influência dos italianos de fundamental importância, os mais velhos para o Pré-Classicismo, os mais novos para o Classicismo." (Hans Engel, "Die Quellen des klassischen Stiles", Report of the eighth Congress - International Musicological Society - 1, New York 1961; Kassel 1961, 285-304, 285).

Apesar da importância reconhecida aos italianos, a série citada das "fontes do estilo clássico" reflete claramente uma perspectiva centro-européia do historiador. Ressente-se a falta de um tratamento do assunto a partir de um ângulo de perspectiva do Sul.

Mesmo quando na consideração das "fontes do estilo clássico" procura-se traçar uma linha evolutiva mais ampla no tempo, salientando-se origens mais remotas e que também denotam relacionamentos supra-regionais, também então observa-se uma demasiada limitação espacial. Na investigação da "pré-história" da Escola de Mannheim, por exemplo, que apresenta uma "série verdadeiramente européia" de nomes, salienta-se a importância da fusão da Capela de Corte de Innsbruck com a Capela de Düsseldorf para a origem da orquestra de Mannheim:

"Ambas as capelas, de Düsseldorf e de Innsbruck, possuem as mesmas raízes. Elas se situam em região geograficamente próxima à pátria da geração bohemia de Mannheim. Trata-se da Silésia, da Capela do duque palatino Karl Philipp que, de fins de 1689 até a sua mudança para Innsbruck (1707), residia na Silésia, preferencialmente em Brigg (...). As terras vizinhas da Bohemia eram então "centros dos acontecimentos culturais, sociais e econômicos do nosso continente" e se ampliavam através de veios nos quais corria "o pensamento e a vida espiritual da Europa." (Gerhard Croll, "Zur Vorgeschichte der Mannheimer", in Bericht über den Siebenten Internationalen Musikwissenschaftlichen Kongress, Köln 1958; Kassel 1959, 82-83, 83)

Vai-se ainda mais longe e se afirma que "sem os compositores tchecos pré-clássicos e clássicos ("a emigração tcheca de músicos") não teria havido um Classicismo europeu ou este não poderia vir a ser esclarecido". (Jan Racek, "Die Stellung der tschechischen Musik in der Musik Europas und in der Weltmusik", in Convivium Musicorum, Festschrift W. Boettischer zum 60. Geburtstag, ed. H. Hüschen u. D-R. Moser; Berlin 1974, 254-263, 254 e 260)

Essas frases denotam mais uma vez com toda a clareza a perspectiva centro-européia das considerações a respeito do Classicismo, pois quem procurasse as suas origens de uma perspectiva sul-européia iria desvendar da mesma forma elos "pan-europeus" que , embora distintos, levariam por último a uma ligação estreita com o Barroco. Este, porém, não pode ser visto como fenômeno geográficamente restrito à Europa, exigindo a consideração do mundo católico de então e que abrangia vastas áreas do mundo extra-europeu do Ocidente e do Oriente. A investigação das origens do Barroco nas Artes chama cada vez mais a atenção para a importância do especial desenvolvimento religioso-cultural em centros cristãos do Oriente e de seu reflexo na Europa da Contra-Reforma.

O Barroco em territórios não-europeus - sobretudo na América Latina, mas também no Oriente - não pode ser considerado como uma "transplantação" de um determinado "estilo europeu", mas sim como expressão artístico-religiosa de uma época que recebeu as suas características através do confronto com as particularidades e as exigências das regiões descobertas e das comunidades alí constituídas. A tolerância de Roma perante as práticas artísticas e musicais "barrocamente" exuberantes da "Roma do Oriente", Goa, expressão de exigências locais de um catolicismo que se deveria impor no colorido meio hindú, opostas a tendências reformistas e até mesmo, em príncipio, ao espírito da Companhia de Jesus, já na primeira metade do século XVI, parece ter sido uma das causas fundamentais para a sua posterior implantação européia no âmbito contra-reformista e para o qual os jesuítas tanto contribuíram.

Se, porém, o Barroco - também na América Latina - não pode ser visto exclusivamente no senso de uma "Rezeption" cultural e artística, mas sim como expressão de uma cultura católica não limitada a determinado continente, então também o Classicismo, que se vincula no seu desenvolvimento histórico ao Barroco, deve ser considerado através de critérios próprios, a serem ganhos das respectivas e particulares linhas de desenvolvimento histórico. O conceito de "universalismo" tão divulgado nas considerações sobre o Classicismo relaciona-se, portanto, com o "universalismo" do Barroco e deve ser visto em estreito relacionamento com a propagação do Catolicismo no mundo e sua posterior e gradativa secularização.

 

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