Antonio Alexandre Bispo

No dia 24 de novembro de 1990 faleceu, no Hospital Distrital de Faro, o pesquisador Michel Giacometti. Nascido em 1929, em Ajaccio, ilha de Córsega, foi criado por um tio, funcionário colonial francês. Correu cedo as regiões dominadas pela França, aceitando todo o tipo de emprêgo. Licenciou-se em Letras e Etnografia pela Sorbonne e freqüentou cursos livres na Noruega. Criou a missão "Mediterranée 56", com o objetivo de investigar as tradições da área mediterrânea. Casado com um portuguesa, veio em 1959 a Lisboa, sem pretender fixar-se em Portugal. O seu conhecimento sobre a música em Portugal baseava-se em um livro de Kurt Schindler, encontrado no Museu do Homem.

De 1959 a 1982, M. Giacometti realizou recolhas que resultaram em 4000 peças musicais registradas e 6000 fotografias. Fundou os Arquivos Sonoros Portugueses, publicou 12 obras fonográficas (24 discos); organizou, com Fernando Lopes Graça, uma Antologia da Música Regional Portuguesa, com 5 discos, hoje a caminho de ser reeditada (EMI-Valentim de Carvalho) em 16 discos sobre a música de Portugal continental e um sobre a música nos Açores e na Madeira: Antologia da Música Regional Portuguesa 1. Trás-os Montes/Ge LDI/1960, também Folkways Records FE 4538/1962; 2. Algarve/Ge LD 12/1963; 4. Alentejo/Ge LD 17/1965; 5. Beira Alta, Beira Baixa, Beira Litoral/Ge LD 18/1970 (seleção dos discos 1,2 e 3 em Visages du Portugal/Le Chant du Monde LDX A 43). Ver também "Oito cantos trasmontanos"/Ge AS 101/1961; Cantos Tradicionais do Distrito de Evora /GE AS 119/1965; Bailes Populares Alentejanos/AS 50/1968; Cantos Religiosos Tradicionais Portugueses /Philipps 6499 226/1971; Cantos e Danças de Portugal /Diapasão 25 005/1981.

Com a colaboração de F. Lopes Graça, publicou, em 1981, pelo Círculo de Leitores, o Cancioneiro Popular Português. Colaborou com o Serviço Cívico Estudantil, em 1975, tendo recolhido objetos e feito inquéritos no campo da literatura, música e medicina popular, material depositado no Museu do Trabalho de Setúbal, a ser montado. A sua coleção de 400 instrumentos musicais foi vendida ao Museu da Música Regional Portuguesa instalado pela Câmara de Cascais na Casa Verdades de Faria (Monte Estoril).

O pesquisador realizou para sí cópias das gravações em fitas fornecidas pela SEC. Nesse local, hoje em fase de remodelação, será abrigada também a biblioteca do pesquisador, adquirida pela Câmara. O falecido estava trabalhando numa Antologia do Canto Coral Alentejano, edição das câmaras municipais do Alentejo, com 80 modas em dois livros. Embora contemporâneo de atividades de grandes nomes da investigação científica da cultura popular em Portugal, "segundo as palavras de Benjamim Pereira, nunca trabalharam em conjunto. 'Encontrámos os rastos uns dos outros sem ter havido uma permuta simultânea" (Filomena Silvano, "O reino da música", Público, 25 de novembro de 1990, 32).

A morte de Michel Giacometti encerra simbolicamente a fase no estudo da música portuguesa contemporânea do período revolucionário, fase caracterizada pelo entender do conceito cultura do povo como cultura de minorias. Esse fato já tinha sido percebido pelo pesquisador: "Em que acredito, hoje? Já deixei de acreditar no homem. (...) Sou um homem de minorias (...) O primeiro comunista que conhecí em Portugal vinha da prisão. Sentí que devia estar ao pé deles" (Adelino Gomes, "Adeus, senhor Michel", Público, 25 de novembro de 1990, 31). Foi enterrado em Peroguarda (Ferreira do Alentejo).