Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 09 (1991: 1)


 

Maceió

 Regionais, Nacionais e Universais

Projeto Alagoas I

CONCEITOS E OPINIÕES DE
LUIZ LAVENÈRE

Maceió, centro. Foto A. A. Bispo/Acervo ISMPS

 

Antonio Alexandre Bispo

(Excertos)

 

Luiz Lavenère (1868-1966) foi um polígrafo, ligado à imprensa como colaborador, redator, diretor e fundador de jornais, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico desde 1885 e secretário perpétuo dessa instituição (1932 a 1944), um pensador que desde cedo se salientou por acentuada tendência aos estudos linguísticos e musicais. Alguns dados a respeito do despertar do seu interesse pela música encontram-se nas suas crônicas ("Recordando"), publicadas na Gazeta de Alagoas e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (XXX, 1973, 13-38).

L. Lavenère recorda a existência de aulas de música no curso secundário do Colégio Bom Jesus, estabelecimento padrão, superior, segundo ele, aos melhores do Recife, assim como na escola de meninas "das Mouras", uma família composta de quatro moças, das quais Augusta Moura cantava modinhas ao piano. Cita uma escola de danças de Manuel Pinto, onde se ensinava quadrilhas, lanceiros, valsas, polcas e varsoviana; no armazém vazio que teria sido a sala de dança realizavam-se também bailes pastorís. O interesse pela música de L. Lavenère não provinha de seus pais:

"Como meu pai e minha mãe eram surdos não apreciavam música. Uma irmã do meu pai que morava conosco cantava modinhas e fez meu pai comprar um piano e contratar a professora D. Amélia (de Azevedo) para ensinar minha irmã. De mim não cuidaram e somente com muita insistência minha deixaram que o professor Pedro Diniz Maceió me desse lições de música, recomendando logo que não me ensinasse a solfejar porque eu tinha voz muito fraca e poderia ficar tuberculoso! Concordou com isso o professor e fez-me aprender a tocar flauta. Um erro imperdoável, mas, com esforço próprio, aprendi a ler música batendo as teclas do piano."

Se a sua formação prático-musical não foi das mais sólidas, o mesmo não pode ser afirmado a respeito de seus conhecimentos teóricos, embora assimilados sobretudo auto-didaticamente. De sua bibliografia musical, citam-se: Compêndio de Teoria Musical, Maceió, 1927; A Música em Alagoas, Maceió, 1928; Bailes Pastorís (colecionados e revistos), Maceió, 1948 (caderno mimeografado); Baile da Seduzida (revisto e corrigido), Maceió, 1948 (caderno mimeografado); Jornadas (Cantigas de Pastorís colecionadas), Maceió, 1948 (caderno mimeografado); Nossas Cantigas (2a. ed., Maceió, 1950, mimeografado) e Cantigas do Nordeste (Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas XIX, 83).

 

Algumas de suas opiniões

1) Da definição do termo Música, da precisão terminológico-musical, do conceito de ritmo e da diagramação de melodias no Compêndio de Theoria Musical (1927)

A Livraria Machado de Jaraguá/Alagoas publicou, em 1927, o Compendio de Theoria Musical de Luiz Lavenère, escrito em Maceió, em 1925. A página de rosto da obra traz uma frase do livro Du chant (Paris, 1920) do compositor venezuelano Reynaldo Hahn (Caracas, 1874-Paris, 1947), que seria posteriormente crítico musical do "Figaro" e diretor da Ópera de Paris: "... ce que je dirais, je le dirai en pensant très sincèrement que je puis me tromper..."

Luiz Lavenère procura nesse compêndio definir com precisão e fazer uma exposição metódica, dando exemplos escolhidos, na convicção de que "a theoria musical não é um producto da imaginação humana, mas uma sciencia dos factos" (pág. XIV). O autor abre a sua obra (pág. VII ss.) com a questão: "Porque escrevi este compendio?" A sua resposta é: "Sempre fui amigo das definições claras, precisas e justas, e notei que os autores das obras destinadas ao ensino da musica não cuidaram sempre de definir bem". Para dar uma prova da imprecisão terminológica, o autor transcreve e critica definições de som e música de A. Galli, C. de Sanctis, B. Wagner, S. Archanjo, Miguel Cardozo, J. Menozzi, A. Danhauser, E. Durand, Pe. L. G. B., A. Girard, A. Savard, R. Coelho Machado, B. Asioli, terminando pelo compositor alagoano Tavares de Figueiredo.

Aqui parece que o autor atinge realmente o objetivo do seu compêndio, ou seja, a crítica da concepção de música do autor dos Cantos Escolares. Luiz Lavenère cita a mesma definição de música apresentada no livro Moderna Arte de Musica de Tavares de Figueiredo: "Música é a arte que exprime a saudade, para commover a alma e fallar ao coração". A respeito dessa concepção, diz: "A idéia é bonita, mas não presta para uma definição. Parece que o autor se inspirou no Diccionario da Educação e Ensino, que diz: "Musica é a arte de combinar os sons de maneira propria para commover a alma e fallar ao coração."

A partir desta crítica, L. Lavenère dá a sua própria definição:

"Eu defini Musica: Arte de rythmar os sons. // Não ha duvida de que a musica é constituida por sons, entretanto si alguem bater desordenadamente sobre o teclado de um piano, os sons que disso resultarem não produzirão musica, si não por ironia...// O som das castanholas não é som perfeitamente musical, mas as castanholas batidas de certa maneira, produzem sensação musical. // é preciso, porem, notar que o termo Rythmo tem significação mais ou menos extensa, conforme a applicação que se lhe dá. // Pode significar apenas a repetição dos mesmos movimentos, como o rythmo do pendulo. // Pode significar phenomenos mais complicados, de duração muito maior, como o emprega W. Deonna (Les Lois et les Rythmes dans l'Art): ... A arte não é um producto casual das vontades individuaes, mas está sempre sujeita a um determinismo constante, trazendo resultados analogos com intervallos de seculos, seguindo um Rythmo que se pode ficar." // Pode ser, como escreve Gummere (Poetica): "uma repetição harmoniosa de certas relações de sons, tendo por base o tempo." // Herminio Alberto Carlos (A Notação Musical) define rythmo: "...o conjunto de leis que regem a distribuição das durações e intensidades dos sons em um trecho musical qualquer." // Na minha opinião, em Musica, o rythmo é composto de tres elementos: 1. Ordem esthetica dos sons; 2. Ordem metrica dos sons; 3. Ordem expressiva dos sons. // É o conjuncto desses tres elementos que constitui o rythmo musical, sendo cada um delles um rythmo differente. // Herbert Spencer, falando do rythmo dos movimentos, no seu livro Les premiers principes, escreveu: "A musica offerece-nos muito maior variedade de exemplos da lei. São compassos que se repetem, apresentando cada um delles um accento primario e um accento secundario. É a diminuição e o augmento alternativos do esforço muscular que é preciso fazer, para descer ás notas mais baixas e subir às notas mais elevadas, duplo movimento composto de ondas menores que rompem os movimentos de elevação e abaixamento das grandes, de uma maneira particular a cada melodia. Temos depois as alternativas de trechos piano e trechos fortes."

L. Lavenère procura então elucidar essa teoria, dando aos leitores uma série de notas, "como a um pintor se daria uma caixa de tintas". Mostra então, que "desde o momento que se deem a esses sons uma certa ordem agradável ao ouvido, tem-se começado a se lhes dar o rythmo musical. Essa disposição de sons, separados por intervallos mais ou menos attractivos, concluida com uma sensação de repouso, constitui o que se chama idéia musical, e tem por si só um rythmo bem determinado."

Para tornar visível o rítmo dessa sucessão de sons, L. Lavenère oferece a figura de um diagrama. É, portanto, por assim dizer, um antecessor no Brasil do procedimento da "Melodia da Montanha" tão divulgado por H. Villa-Lobos. Ressalta que, no exemplo proposto, existiriam sons que seriam impelidos por outros, sons que procurariam unir-se a outros, sons que desceriam com tendência a um repouso. Esse "conflicto de forças é visível no diagramma e sensível ao ouvido, portanto essa ordem de sons é uma successão rythmada". Cada um desses exemplos seria um "esboço" de melodia; faltando-lhes o que faltaria num desenho sem sombras. "O claro e o escuro na Musica são formados pela differença de tempos, pela ordem metrica".

O autor mostra, então, como se dá o "sombreado" através da metrificação no exemplo oferecido. Tratar-se-ia de uma ondulação com duas oscilações: altura e abaixamento, alongamento e encurtamento da onda. A melodia estaria quase completa, a ordem expressiva concluiria o ritmo musical e poderia ser indicada com o "arredondamento dos ângulos", com o "encurvamento das linhas retas". Segundo o autor, que cita a Encyclopédie de la Musique, assim como um corpo humano sem vida não é um homem, também os sons sem rítmo não fazem música. Procura então explicar a frase tão comum das definições de música: "música é uma arte de combinar os sons musicais de maneira que agradem o ouvido". Para isso, parte da idéia do trabalho musical: "... para que a combinação de sons seja agradavel ao ouvido, é necessario que não produza um trabalho auditivo fatigante, é necessário que tenha rythmo. // A Musica é a arte de fazer trabalhar o apparelho auditivo, sem lhe causar fadiga muscular: é a arte de rythmar os sons".

Após tratar do fenômeno das fases do fenômeno da audição (mecânica, química, fisiológica), chega à fase intelectual que determinaria a expressão de sentimentos e a produção de emoções. A atividade intelectual precisaria porém ser educada para tal fim.

Luiz Lavenère revela-se, portanto, nesta introdução do seu compêndio, ser um dos principais pensadores da questão do rítmo no Brasil, cujo expoente máximo era o mestre-capela de São Paulo, Furio Franceschini.

2) Da definição de "música brasileira" e de "música alagoana". Crítica a Villa-Lobos

No dia 11 de setembro de 1928, Luiz Lavenère proferiu a conferência "A música em Alagoas" no Instituto Arqueológico e Geográfico. A parte de piano foi desempenhada pela pianista Esther Costa Barros, a primeira alagoana diplomada pelo Instituto Nacional de Música (A Música em Alagoas, Maceió, 1928):

"Venho palestrar, em linguagem familiar, sem figuras de rethorica, sobre a musica em Alagoas. Não quiz dizer - a musica alagoana -, porque penso que ainda não temos musica brasileira. (...) Não temos musica brasileira no mesmo sentido em que dizemos - musica chinesa, musica italiana, musica francesa; porque a nossa musica ainda não caracteriza a nossa nacionalidade. Supponho que devamos distinguir bem a musica popular, essencialmente anonyma, que pode apenas caracterizar uma raça, da musica cultivada que pertence ao patrimonio de um povo constituido em nação. Ora, quando nos referimos à musica italiana lembramos os nomes de seus maiores compositores, desde Palestrina, Cavalieri, Frescobaldi, até os modernos, Puccini, Mascagni, etc.; quando falamos da musica allemã, citamos os festejados nomes de Beethoven, Wagner e outros. Porque deveremos nós, quando quizermos tratar da musica brasileira, mostrar somente a musica dos negros escravizados importada da Africa, e a musica anonyma dos colonizadores deste paiz? Nem sequer sabemos muito da musica dos indígenas do Brasil...// Alguns instrumentos que chegámos a conservar dos primitivos habitantes do Brasil estão empregados para executar a musica dos negros. Uma prova disso está bem clara no genero de musica que o maestro Villa Lobos foi apresentar na Europa, como genuinamente brasileiro. Vou ler duas noticias extrahidas de periodicos franceses: 'O Snr. Heitor Villa Lobos é um brasileiro puro do Rio de Janeiro. Dedica-se actualmente á composição de uma importante obra sobre o folc-lore de seu paiz, que se chamará 'A Alma do Brasil'. Seus compatriotas proclamam altamente o seu genio. E para nos permittir julgar a sua obra, o Snr. Villa-Lobos não hesitou em nos dar dois substanciosos concertos... Comprehendeis que o Snr. Villa-Lobos é um compositor racial... Essa alma (a do Brasil) é muitas vezes selvagem, aspera, tumultuosa, incoherente. Ella se libera mais por gritos, pelos ruidos do que pela musica como estamos habituados a conceber. Ninguem deve pois se admirar si o Snr. Villa Lobos em suas obras caracteristicas chega ao "barulhismo": como prova o espantoso Nonetto ou o Choro N° 10 nas quais a bateria torna-se o fundo essencial da orchestra e foi enriquecida de grande numero de instrumentos indigenas de effeito o mais inesperado" (Le Monde Musical, n° 12 de dezembro de 1927).// Si eu disser que muitos desses pretensos instrumentos indigenas do Brasil são portugueses e africanos, desapparecerá grande parte da brasilianidade da musica de que falam essas duas Revistas. Esse instrumental ruidoso deveria ter causado forte impressão no auditorio francez. Podeis imaginar a ingenuidade com que lhe foi attribuida origem brasilica quando vos disser que a generalidade do povo francez não conhece a America do Sul sinão pelo nome de 'antipodas' (...) Si nós mesmos estamos aceitando a mentira de que os instrumentos dos negros do Congo e de Angola são os dos caboclos do Brasil, não admira que os franceses acreditem nas historias de Villa Lobos. Penso que não deveriamos cobrir com a nossa bandeira a arte musical dos maracatús, sambas, reisados, fandangos, etc..Não excluo também a influencia espanhola e até a francesa nas danças e cantigas populares brasileiras. Um exemplo de influencia francesa: Todos vós conheceis a dança infantil acompanhada de canto: Na porta da viola todo o mundo passa.. As palavras são traducção phonetica de 'Sur le pont d'Avignon, l'on y passe, l'on y danse...' A música é a da cantiga: 'Avoine, avoine, que le bon Dieu t'amène...' levemente alterada no estribilho."

3) Das características da "musica latina" através de comparação com a música chinesa

Nessa mesma conferência, L. Lavenère faz um singular uso da musicologia comparada: "Assim não posso falar de musica alagoana; mas, da arte musical da raça latina, porque a musica que nós cultivamos e a que os europeus cultivam é a que nos veio do povo latino: musica de tonos e semitonos. Outros povos e outras raças cultivam musica de tonos e quartos de tono. Não causará enfado explicar em poucas palavras o que significam essas expressões. A nossa música é feita de sons com intervallos minimos de um semitono: veja-se o teclado de um piano. A differença de altura de cada uma nota para a sua vizinha é de um semitono. Alguns povos da Asia usam sons intermediarios, quartos de tono, e no Mexico, o maestro Julian Carrillo està introduzindo a musica de dezeseis avos de tono."

O conferencista fêz aqui a demonstração do que acabara de dizer usando de diversos diapasões cromáticos. Para que os seus ouvintes apreendessem o efeito de uma música sem semitons, fêz que se ouvisse uma composição chinesa. O canto teria sido feito originalmente para uma flauta, o acompanhamento "por tam-tam, ou gong".

4) Do ensino musical em Alagoas e do estudo da Teoria e da História da Música

Chegando ao assunto principal de sua palestra, L. Lavenère faz uma crítica do ensino musical no seu Estado: "A arte musical é muito mal cultivada nas Alagoas.// Temos tido verdadeiros genios no dominio da Musica: mas, foram plantas que vegetaram sem luz, viveram unicamente dos alimentos da terra, produziram flores que não fructificaram. / Vim aqui apontar os erros que mataram as nossas vocações musicaes. / (...) Não venho censurar os professores; não venho negar a competencia de nenhum delles; venho falar somente dos methodos e não das pessoas. (...) O primeiro erro, o mais grave de todos, no ensino da Musica, é o desprezo da educação do ouvido. / Conheço os methodos de ensino empregados no Brasil, na França, na Italia e na Inglaterra. / O mais proveitoso delles e ao mesmo tempo o mais natural é o que se usa na Inglaterra. / Ali, a creança começa por aprender a ouvir; depois, por aprender a emittir sons. / Não lhes ensinam uma palavra de theoria, nem sequer a ler emquanto ella não sabe ouvir e falar musica. / Esse é o caminho natural: primeiramente a creança ouve a linguagem dos seus pais; depois, fala. / Quando sabe ouvir e falar è que pode aprender a ler e a escrever. / Nós ensinamos Musica ás avessas: theoria, leitura, execução, antes que o estudante possa distinguir os sons. E... nunca ensinamos a escrever!... (...) O segundo està no ensino do solfejo. / Geralmente, repito, geralmente - não se ensina a solfejar. As creanças começam a tocar piano ou outro instrumento quando podem distinguir algumas figuras pelos nomes e dizer de cór algumas definições./ Francamente falando-vos, Snrs., e especialmente dirigindo-me a vós, minhas Senhoras, é um crime que commetteis, matando o futuro artistico das creanças que estão sob o vosso cuidado, permittindo que o professor lhes ensine a tocar um instrumento sem exigir que ellas saibam solfejar. / Que dirieis vós daquelle que pretendesse ensinar a theoria da Arithmetica a uma creança que não houvesse aprendido ainda as quatro operações fundamentaes?/ Está no mesmo caso aquelle que aceita a incumbencia de ensinar piano, flauta ou violino a quem não sabe solfejar. / E... quando ensinam o solfejo empregam um methodo mau, com algumas excepções, mas principalmente nos collegios, para evitar o trabalho do professor./ Não conheço professores que ensinem o dictado musical; o verdadeiro dictado musical./ A prova e a consequencia desse erro no ensino de Musica podeis ter com esta experiencia: Pedi a uma das nossas jovens pianistas que escreva a melodia da modinha que sabe cantar de ouvido: dificilmente encontrareis quem o faça./ Conheço mesmo professora de piano que não recebe a mínima impressão auditiva lendo uma peça de musica. / (...) Outro erro, tambem muito grave, é ensinar o professor a tocar um instrumento que elle proprio não toca, ou não tocou nunca. /(...) Eu tive experiencia disso commigo mesmo. / Aos doze annos tomei um professor de flauta, o conhecido musico Pedro Maceió, que tocava apenas clarineta. / Estudei, venci os exercícios de Terschak, cheguei a executar trechos difficeis de musica clássica, e estava pensando que sabia muito bem tocar flauta. / Fui ao Rio de Janeiro, em 1890, e ouvi num concerto, na Escola Militar, o flautista Oscari Feital. (...) O meu mestre nem sabia que a flauta tambem produzia sons harmonicos, e nunca me ensinou a dar duplos etriplos glopes de lingua... (...) Uma fonte de erros é a escolha dos livros didacticos. /Existem muitos livros mal traduzidos, outros visivelmente mal escriptos. / Vou mostrar um: O Solfejo de Rodolpho, edição Bevilacqua. À pagina 11 desse livro correntemente usado entre nós, lê-se:

"- O que é necessário fazer para passar do tom de La menor ao de La maior?"

Poderia parecer que se trata de uma modulação, mas a resposta é:

"-Ajuntar três sustenidos à clave".

Portanto, si eu tiver uma melodia escripta em La menor, basta que escreva tres sustenidos á clave para a converter em La maior. O disparate é repetido mais adiante (...). Eu sei o que pretendeu dizer o autor; mas, a verdade é que o não disse e confundiu o modo musical com o tom, aliás tonalidade. (...). Existem tambem erros de interpretação originados da falta de estudo da Historia da Musica.

Vou citar os mais vulgares: Um delles é a interpretação da appoggiatura. Muitos poucos sabem claramente o que era esse ornamento musical pois todos os escriptores modernos empregam visiveis esforços para accommodar a significação do vocabulo italiano ao uso que lhe deram nos ultimos tempos.

Entretanto, o caso é bem simples: nos antigos instrumentos de corda usava-se passar de uma nota para outra, quando se queria dar mais graça à melodia, apoiando o dedo ou o plechtro sobre a corda mais proxima.

Esse ornato encontra-se nos manuscriptos antigos indicado por um traço obliquo em direcção ascendente, da esquerda para a direita, ou descendente, no mesmo sentido... (...) Como poderia o musico executante interpretar correctamente Bach ou Chopin sem conhecer a Historia da Musica?

Eu nunca ouvi dizer que se ensinasse aqui a minima noção dessa sciencia.

Talvez por influencias das ideas modernas sobre - Arte Nova - queiram cortar as nossas ligações com o passado, banindo até o estudo da Historia...

Quanta cegueira! Aquelles mesmo que clamam não terem ligações com o passado, são forçados a traduzir Cicero, a estudar o Direito Romano, a imitar a esculptura dos gregos, a cultivar a sciencia de Berthelot e Laplace, si querem triumphar na vida; porque não existe nenhuma obra de mentalidade humana que não seja producto do trabalho de muitas gerações.

E, como disse Wanda Landowska, notavel pianista e escriptora, é bem certo que poderemos prolongar a nossa vida recordando os tempos passados.

Si os moços do futuro tiverem de nutrir as mesmas idéias dos moços de hoje, o seu trabalho actual serà inutil; não durará meia-vida de homem.
Um defeito que tambem noto no actual programma de ensino é a exclusão da musica dramatica do curso de piano.

Entendo que isso é um erro, porque não sei como se deva fazer o estudante interpretar a musica pura sem saber interpretar a musica dramatica, muito mais facil e naturalmente indicada para a iniciação desse importante estudo.

Seria o mesmo que ensinar Algebra a quem não soubesse Arithmetica."

5) De músicos amadores com instrução e dos músicos profissionais sem instrução em Alagoas.

(...)

"Dos musicos alagoanos somente alguns amadores foram homens instruídos: os profissionaes foram todos privados de conhecimentos litterarios e scientificos./Ninguem pode negar que para ser musico perfeito é indispensavel possuir varios conhecimentos das sciencias que se relacionam com essa Arte e das linguas italiana e francesa, pelo menos./ Sem falar dos vivos, os musicos alagoanos, profissionaes, foram homens pobres, nunca tiveram meios de cultivar o seu talento./ Citarei, sem ordem chronologica:

Joaquim Cavalcante, flautista muito afamado/Foi applaudido em Bruxellas onde estudou medicina até o 4° anno. / Era tambem poeta/
Oliveira Lima possuia dois livros seus, de versos inèditos, que não publicou, a conselho de Pontes de Miranda, por serem da velha escola dos poetas do seu tempo. / No Rio de Janeiro foi cantado um hymno da Abolição com lettra de Joaquim Cavalcante e a musica de outro alagoano, talvez Valerio Pinheiro./

Benedicto Silva, o maior dos nossos musicos; compositor, regente de orchestra; inimitavel executante de qualquer instrumento de banda marcial, principalmente piston. /Seu nome popular era Benedicto-piston./ Era homem sem instrucção, mas tinha tanta consciencia do seu merito que impunha condições quando convidado para reger bandas de musica militar: seria o mestre, o regente, sem disciplina, sem farda, sem superiores hierarchicos.

Valerio Pinheiro, seu rival, ainda que inferior, foi outro musico apreciado./ Uma vez, em uma noite de festa dos Martyrios, tocavam duas bandas; a dos Artistas e a da Minerva: Benedicto e Valerio desafiaram-se: nenhuma repetiria uma peça: sahiria primeiro quem exgottasse o repertorio. /Pois bem, tocaram as duas bandas a noite inteira; despontou o dia e nenhum exgottara o repertorio!"

(...)

6) Pelo ensino da musicologia em Alagoas (1928). Crítica do ensino teórico-musical no Instituto Nacional de Musica

(...)

"Isso tudo, meus snrs., serve muito bem para vos mostrar que não poderemos ter musicos perfeitos sem o ensino racional e completo da Arte Musical, da Sciencia dos Sons, da Historia de Musica e até de noções de Paleographia./ Si o mal de muitos consolará alguem, poderemos nós, provincianos do Norte, ter uma pequena consolação da nossa penuria no ensino da arte musical, sabendo que no Instituto Nacional de Musica o curso de theoria é feito por um programma errado e mal redigido./ Vou mostrar o que acabo de dizer. / Diz o programma:

- Denominação, ordem de successão e reproducção dos sons, constituindo a escala musical e maneira de os representar por meio das notas. /As notas de musica não são um meio de representar os sons: nota de musica è um som determinado que se representa por meio de figuras. /Figura dos valores das notas e de seus silencios correspondentes./ Si a nota fosse um meio de representar os sons, como está no paragrapho anterior, a figura do valor das notas seria um disparate."

(...)

 

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