Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados


»»» impressum -------------- »»» índice geral -------------- »»» www.brasil-europa.eu

N° 02 (1989: 2)


 

Umbanda Praia Grande

Biênio comemorativo dos 500 anos da viagem de Bartolomeu Dias

I° Colóquio euro-brasileiro

Música nas relações culturais:

Cultura brasileira e luso-brasileira

31 de agosto a 10 de setembro
Bonn, Kommern e Colonia

e

II° Simpósio Internacional
"Música Sacra e Cultura Brasileira"

Sessões conjuntas na capital da Alemanha, Bonn, 5 a 8 de setembro

Mudança de paradigmas
nos estudos do sincretismo no Brasil

Temas

    O entendimento do sistema sincretístico. Distinções conceituais
    Fundamentos gnosticistas - sua história em Portugal
    O papel da Mãe das Águas - Concepções marianas na linguagem simbólica
    Necessária revisão da literatura concernente aos cultos "afro-brasileiros"

Agradecimentos especiais

    Comunidade do Rio Vermelho, Salvador
    Federação Espírita do Estado de São Paulo
    Centros de umbanda do Encontro de Praia Grande, São Paulo
    Centros de umbanda e xangôs de Encontro de Olinda, Pernambuco

 

 

Lembrando Prisciliano e a Teurgia

O início da história da Igreja na Península Ibérica foi marcado pelo conflito com o Gnosticismo e com a tradição popular cristianizada. Esse florescimento de uma religiosidade popular gnosticista foi visto como uma grande ameaça para a Igreja, sobretudo por ter esse movimento encontrado em Prisciliano um representante extraordinário no episcopado. O significado de Prisciliano torna-se claro considerando-se a extraordinária dimensão do conflito na sua época. Banido de sua sede episcopal, Prisciliano dirigiu-se à Roma, embora sem sucesso. Após o seu retorno, teve de defender-se em Sínodo reunido para esse fim, nos anos de 384/385. Em 385 , juntamente com seis de seus correligionários, foi executado em Trier (Trèves), um fato que deve ser salientado, tratando-se da primeira morte de um cristão causada não por não-cristãos no âmbito de perseguições, mas sim por próprios cristãos que o acusavam de exercício da magia. (...)

Segundo Itacius de Faro, a origem da doutrina prisciliana estaria no Egito. Nos seus fundamentos, porém, seria oriental. Prisciliano teria estudado com um mago de Memphis denominado Marcus e que teria sido um discípulo de Manis, o fundador do Maniqueísmo. Assim, Prisciliano surge numa corrente de tradição que leva à Pérsia e à Índia e que espalhou-se, ao redor do ano 300, pela Síria, pelo Egito, pelo Norte da África e pela Península Ibérica. (...)

Essa menção a Marcus do Egito como sendo mestre de Prisciliano e o fato de ter sido executado por magia permitem que o movimento priscilianista seja estudado à luz da Teurgia. Esta é tratada por Jamblichos (ca. 250-ca. 330), fundador da escola siríaca do Neo-Platonismo, na sua obra "Os Mistérios do Egito". Compreende-se Teurgia como uma forma superior de magia (Theos = Divindade; ergon = obra, ação). Diferentemente da Teologia, ela não procura apenas o conhecimento do que é divino, mas sim também alcançar poder sobre o sobrenatural. A Teurgia foi considerada como uma Ciência que, para alcançar efeitos, dedicava-se às causas e ao conhecimento das técnicas de sua aplicação.

(...)"


Zu Priszillian und zur Theurgie

Der Anfang der Kirchengeschichte auf der iberischen Halbinsel ist von der Auseinandersetzung mit dem Gnostizismus bzw. mit der überkommenen, christlich gewordenen Volkstradition geprägt. Diese Blüte eines gnostizistischen Volksglaubens wäre vielleicht weniger als eine Bedrohung empfunden worden, wenn jener nicht in Gestalt Priszillians einen herausragenden Vertreter auf einem Bischofsstuhl gefunden hätte. Um die Bedeutung Priszillians in diesem Zusammenhang hervorzuheben, sei das Ausmaß der Auseinandersetzung und des Zerwürfnisses in der Kirche der damaligen Zeit in Erinnerung gebracht: Priszillian wurde sogar von seinem Bischofsstuhl vertrieben und unternahm - letztlich ohne Erfolg - zur Verteidigung seiner Position eine Reise nach Rom. Nach seiner Rückkehr mußte er sich 384/385 in einer dazu einberufenen Synode in Bordeaux gegen die Anschuldigungen verteidigen; 385 wurde er zusammen mit sechs seiner Anhänger in Trier hingerichtet, ein bemerkenswerter Vorgang, da es sich um einen Bischof und um Christen handelte, die nicht wegen Christenverfolgung durch Nicht-Christen ihr Leben lassen mußten, sondern wegen der Anschuldigung der Ausübung von Magie. (...)

Nach Itacius von Faro ist zwar der Ursprung der priszillianischen Lehre ägyptisch, die in ihren Grundlagen aber orientalisch ist; Priszillian soll nämlich bei einem Magier namens Markus aus Memphis gelernt haben, der ein Schüler von Mani, dem Gründer des Manichäismus, gewesen sein soll. Damit erscheint Priszillian in einer Traditionsströmung, die auf Persien und Indien verweist und um 300 Syrien, Ägypten, Nordafrika und Spanien erreichte. (...)

Dieser Hinweis auf Markus aus Ägypten als Lehrer Priszillians und die Tatsache, daß jener wegen Magie verurteilt wurde, rücken die priszillianische Bewegung in die Nähe der Theurgie, wie sie Iamblichos (um 250-um 330), der Begründer der syrischen Schule des Neuplatonismus, in seinem Werk über die Mysterien Ägyptens darstellt. Theurgie wird als eine gehobene Art von Magie verstanden (theos= Gottheit; ergon = Werk, Wirkung), die anders als Theologie nicht nur Wissen, sondern auch Macht über Göttliches anstrebt. Dabei ist zu berücksichtigen, daß Theurgie als eine Art Wissenschaft aufgefaßt wurde, die, um Wirkungen zu erzielen, sich der Erkenntnis der Ursachen und der Technik und Kunst ihrer Handhabung zuwendet.

A.A.Bispo, "Antike und Christentum - und die Traditio viva in der Musikkultur der Neuen Welt".
Veröff. in: Christliche Volkstraditionen und Synkretismus in Brasilien, Musices Aptatio 1989/90.

 

Relato

 

Como ultima conferência do Simpósio, em Bonn, o Dr. Antonio Alexandre Bispo discorreu a respeito do tema: "Fundamentos gnosticistas do pensamento sincretístico no Brasil".

Partindo das raízes do Gnosticismo em Portugal, representadas sobretudo no movimento priscilianista, o autor procurou mostrar a continuidade através dos séculos de concepções ainda hoje observadas no sincretismo. Demonstrou que os principais conceitos dos cultos chamados "afro-brasileiros" são, na verdade, de origem européia medieval, também levados à África.

Encontro Umbandista Praia Grande
Encontro Umbandista na Praia Grande (Foto A. A. Bispo-Acervo ISMPS/IBEM)
Não há nenhuma dúvida que, por exemplo, as concepções de Oxumaré e o seu elo sincretístico com São Bartolomeu já existiam na Península Ibérica desde o início do Cristianismo. O mesmo se dá com a lenda supostamente africana de Oxum. Dizer que a "Mãe das Águas" é de origem africana pode ser considerado um verdadeiro absurdo. O desenvolvimento dos conceitos marianos a ela vinculados podem ser seguidos historicamente através dos séculos. O mesmo se dá com outras concepções. Os vínculos católico-sincretísticos com Xangô, Omulú, Exú, Ogum, Yansã e Ossaim são lógicos e evidentes no estudo histórico do Catolicismo e do Judaísmo heterodoxo medieval.

De forma alguma pode-se dizer que o sincretismo de "deuses" africanos com santos católicos seja produto da tentativa dos escravos em mascarar os seus conceitos religiosos autênticos à frente de seus senhores. Tentar ganhar uma autenticidade supostamente perdida através do combate dos elos sincretísticos com santos católicos é inútil e leva a uma descaracterização profunda da mística heterodoxa.

Encontro Umbandista Praia Grande 2
Encontro Umbandista na Praia Grande. (Foto A. A. Bispo- Acervo ISMPS/IBEM)
Vários são os conceitos claramente explicáveis, seja a palavra "Axé", seja "Orixá" (Arconte da luz - base do sistema dos Arcontes da Gnose), seja IAO, sobre o qual existe menções abundantes na literatura respectiva desde a Antiguidade. Conceitos como "cavalo de Santos", "cair no Santo" e outros já existiam na Península Ibérica na Idade Média. Símbolos, relações numerológicas e atributos também são de origem claramente medieval ou antiga. Do ponto de vista musical, várias concepções que se vinculam, por exemplo, aos atabaques, já existiam na Europa medieval. O mesmo se dá com o conceito de "toque", claramente expresso e estudado na mística ibérica.

A literatura existente sobre o assunto necessita de uma urgente revisão, pois foi escrita com profundo desconhecimento do catolicismo popular, da mística cristã, do hermetismo, da cabala e da heterodoxia religiosa medieval. Não se trata em absoluto de meras "semelhanças" entre concepções africanas e conceitos da Antiguidade pagã, mas sim de uma continuidade histórica comprovada em inúmeros aspectos por documentação abundante.

(...)

 

"Na consideração científica da Umbanda e de formas de culto similares, colocou-se (nos estudos realizados desde o início da década de 70) primeiramente a questão da propriedade da pesquisa de tais expressões da tradição esotérica conservadas pelo povo no âmbito da disciplina "Folklore". Aqui não se tratava, evidentemente, do conceito compreendido no seu sentido superficial, vulgar, hoje de conotação negativa, uma noção justamente combatida pelos adeptos dessas tradições místicas, pois um termo assim compreendido é, de fato, absolutamente inadequado na consideração de tradições vistas como veneráveis. Foi sempre claro que o conceito deve ser entendido- como o é na pesquisa séria - no sentido científico da palavra, ainda que se deva levar em conta as várias acepções do termo de acordo com as diferentes correntes de pensamento.(...) No decorrer da discussão terminológica do conceito de Folclore e de outras denominações da disciplina ficou claro que deve ser levado em conta que a Umbanda, de acordo com convicções de seus próprios adeptos, representa uma tradição por excelência do conhecimento e da prática místico-religiosa, transmitida quase que exclusivamente por via oral através dos séculos, em círculos de iniciados. Assim compreendida, ela pode ser considerada sob a denominação "Folclore" somente se esta palavra for compreendida no seu sentido terminológico, com especial ênfase na palavra "lore", significando saber, ciência e até mesmo sabedoria do povo. Se a ênfase for dada à palavra "folk", o que faz com que a disciplina se torne uma ciência do povo ou do popular, como expresso no termo alemão"Volkskunde", então o uso do termo é inadequado. Uma tradição esotérica, mantida viva sobretudo por transmissão oral através dos séculos, é, apesar de toda a sua diversidade nas formas de expressão, transcendente aos limites de um povo determinado; é essencialmente supra-nacional e não pode ser considerada de forma restrita a partir de reflexões históricas, sociológicas ou psicológicas da perspectiva da cultura de determinada nação ou de um grupo populacional. Conceitos nacionalistas ou ideológicos levam aqui a interpretações fundamentalmente errôneas. (...)"


"Bei der wissenschaftlichen Auseinandersetzung mit der Umbanda und vergleichbaren Kultformen stellte sich zunächst die Frage, ob es überhaupt berechtigt ist, diese im Volk überlieferten Erscheinungsweisen esoterischer Tradition unter der Sicht der "Folklore"-Forschung zu betrachten. Hierbei ging es selbstverständlich nicht um ein vordergründiges, umgangssprachliches, negativ belegtes Verständnis von "Folklore", wie es von den Anhängern mystischer Traditionen mit Recht abgelehnt wird, da dieser so verstandene Begriff zur Bezeichnung religiöser Auffassungen und Praktiken, die einer als ehrwürdig angesehenen Überlieferung verpflichtet sind, als völlig unangemessen erscheint. Der Begriff muß wie in der speziellen Fachforschung im wissenschaftlichen Sinne verstanden werden, wobei allerdings die unterschiedlichen fachspezifischen Auffassungen zu berücksichtigen sind. (...) Bei den terminologischen Auseinandersetzungen mit dem Begriff Folklore und anderen Fachbezeichnungen wurde demnach ersichtlich, daß die Umbanda - nach dem Selbstverständnis ihrer Adepten die Tradition des mystischen Wissens und der mystischen Praxis schlechthin, welche seit ferner Vorzeit fast nur mündlich innerhalb von Kreisen von Eingeweihten überliefert wurde - der Folklore zuzurechnen ist, sofern diese terminologisch wesentlich vom Begriff "lore" bestimmt wird und somit das Wissen, die Wissenschaft oder gar Weisheit in der Tradition des Volkes meint. Anders stellt sich allerdings der Sachverhalt dar, wenn das Verständnis des Faches vornehmlich vom Begriff "folk" geprägt ist und die Folklore-Forschung praktisch mit Volkskunde gleichgesetzt wird. In diesem Fall wird die vorwiegend mündlich überlieferte esoterische Tradition, die trotz ihrer verschiedenen Erscheinungsweisen ihrem Wesen nach volksübergreifend und übernational ist, unter einem allzu begrenzten Blickwinkel als Ausdrucksweise einer bestimmten Volkskultur historisch, soziologisch und psychologisch betrachtet und kann, ausgehend von nationalistischen Anschauungen oder sonstigen Ideologien, grundlegend mißverstanden werden. "

A.A.Bispo, "Zu Musik und Musikanschauung in der Umbanda und verwandten Erscheinungsweisen mystischer Volkstraditionen". II° Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira".
Publicado em: Christliche Volkstraditionen und Synkretismus in Brasilien, Musices Aptatio 1989/90

 

zum Index dieser Ausgabe (Nr. 02)/ao indice deste volume (n° 02)
zur Startseite / à página inicial