Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 01 (1989: 1)


 

PERSONALIDADES

 

Jaime Cavalcanti Diniz (1924-1989) - O Nordeste na Musicologia

Antonio Alexandre Bispo

 

"Um aspecto curioso que se verifica em Pernambuco - e que não tem aparecido em relevo com relação a outras partes do Brasil colonial - é que muitos de nossos artistas não se fecham apenas no mundo de sua arte musical. Em sendo grandes músicos profissionais, ou dilettanti, cultivavam, às vezes soberbamente, outros mundos do universo da arte. (...)Creio que ´é possível vislumbrar (...) em Pernambuco setecentista, um notável nível cultural, propício campo ao desenvolvimento da arte musical, tanto religiosa como profana. O século XVIII em Pernambuco, como na esplêndida Bahia, não é flor aparecida no ar, em relação à música. Há raízes que vêm de longe."

Jaime C. Diniz, "A música em Pernambuco no século XVIII", Cultura 79-84 (1978), 79/80

 

Jaime Diniz Enout Schubert
Três musicólogos e sacerdotes: Pe. J..C. Diniz (direita) ao lado de D. Jõao Evangelista Enout O.S.B. e Mons. Guilherme Schubert em solenidade do I° Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", São Paulo 1981/Fundação da Sociedade Brasileira de Musicologia, dir. A. A. Bispo
Faleceu, a 27 de maio último, o Pe. Jaime Cavalcanti Diniz, sócio-fundador e conselheiro da Sociedade Brasileira de Musicologia. Nos dados biográficos publicados por Valdemar de Oliveira, renomado compositor e pesquisador de música do Recife (Revista do Departamento de Extensão Cultural e Artística 2/3, Recife, 1960; reimpresso na edição da Missa Olindense para 3 vozes mistas, sem acompanhamento, de Jaime C. Diniz (Recife, Coro Guararapes, 1980, III-VI) lê-se:

"O padre Jaime Diniz já se integrou em nossos fastos musicais, projetando-se como uma figura dinâmica, possuída de uma fecunda inquietude intelectual, que a leva a todos os setores da arte e da ciência da Música."

Pe. Jaime C. Diniz ficará na História não apenas como um dos maiores vultos da música de seu estado natal, Pernambuco, e, em geral, do seu particularmente amado Nordeste, como também como uma das grandes personalidades da música sacra e da pesquisa da música do páis.

A atividade musicológica do Pe. Jaime C. Diniz desenvolveu-se em íntimo relacionamento com seus estudos teológicos e sacro-musicais. Tendo já atuado como organista (1941-1943) e compositor durante os seus estudos no Seminário de Olinda, foi, porém, no Seminário de São Paulo que Pe. Jaime Diniz recebeu primeiramente orientação de representantes da música sacra e da erudição musical do Brasil, Furio Franceschini (1880-1976), Fr. Pedro Sinzig O.F.M. (1876-1952) e Ir. Paula Loebenstein O.S.B. (1888-1967).

Através desses mentores, Pe. Jaime Diniz vinculou-se aos ideais da reforma sacro-musical na tradição do Motu proprio do Papa Pio X e, em particular, ao movimento gregoriano, o que marcou de forma indelével a sua atividade criadora e o seu pensamento. Como grande admirador de Furio Franceschini, Pe. Jaime Diniz dirigiu em Recife, em 1951, uma execução monumental do Te Deum do renomado mestre-de-capela da Catedral de São Paulo. No mesmo ano, logo após a celebração de sua primeira missa - que contou com a execução da missa "Sacerdos in aeternum" e do "Te Deum modal", de sua autoria - , já se lançava com ímpetos de luta à discussão de problemas musicais de natureza estético-científica, defendendo Henri Potiron, por êle considerado como o "Franceschini da França", de críticas formuladas por Fr. Pedro Sinzig ("Bendita Acentuação", Música Sacra 11/7, 1951, 121-123).

O seu vínculo com o pensamento sacro-musical francês revelou-se também na sua ação em prol do canto em vernáculo nas missas não-solenes ("Canto religioso popular", Música Sacra 12/9-10, 1952, 174). Ao lado de sua formação basicamente ligada à tradição da reforma litúrgico-musical, Pe. Jaime Diniz foi influenciado por idéias e técnicas decorrentes de correntes estéticas divergentes e, às vezes, conflitantes com o ideal sacro-musical. Estudou com C. Guerra Peixe, que também colaborava com a revista Música Sacra com artigos dedicados a questões de natureza musicológica, e teve contactos, principalmente durante cursos de férias, com H.J. Koellreutter e E. Krének. Pe. Jaime Diniz passou a ter a sua capacidade reconhecida mesmo em círculos não-eclesiais da intelectualidade.

Em 1958, teve a oportunidade de assistir a cursos no Pontificio Istituto di Musica Sacra (P.I.M.S.), em Roma, então sob a direção de Higini Anglès (1888-1969). O estudioso pernambucano sempre salientou o papel importante desempenhado pela personalidade e pela obra desse grande vulto da musicologia espanhola na sua formação e na sua posterior atividade musicológica. Ao lado de estudos de composição e regência (também no Liceo Isabella Rosato, Roma), teve oportunidade de aprofundar seus conhecimentos de canto gregoriano em aulas no P.I.M.S. e no Instituto Gregoriano de Paris.

Após a experiência em instituições européias de ensino e pesquisa, Pe. Jaime Diniz passou a dedicar-se de forma crescente à investigação musicológica. Em 1960, foi nomeado coordenador e professor de História da Música (e Harmonia Complementar) do Curso de Música da Universidade do Recife, em 1961 foi indicado a membro efetivo da Academia Brasileira de Música e, em 1962, dirigiu um curso de história da música no Pontifício Colégio Brasileiro de Roma. Já tendo organizado dois cursos nacionais de música sacra (1958, 1960) e tendo sido nomeado presidente da Comissão Arquidiocesana de Música Sacra de Olinda e Recife, Pe. Jaime C. Diniz desenvolveu à época do Concílio Vaticano II intensa atividade como compositor e especialista em questões litúrgico-musicais.

Como pesquisador de música, Pe. Jaime Ciniz tornou-se mais largamente conhecido por um trabalho de folclore musical (Ciranda: roda de adultos no folclore pernambucano, Recife, 1960), que abriu caminhos a trabalhos sobre o mesmo tema de outros autores (Evandro Rabello, Ciranda: Dança de roda, Dança da moda, Recife, 1979). Em 1963, manteve, segundo as suas próprias palavras, "contatos amorosos com a obra de Ernesto Nazareth" (Nazaré: Estudos analíticos, Recife, 1963), onde procurou demonstrar, entre outros pontos, que o "mais lindo pedestal da música brasileira, o mais espontâneo, o menos artificiosamente brasileiro" não se revelava tanto nos tangos, polcas e valsas, mas na Marcha fúnebre do compositor carioca. A seguir, dedicou-se à análise de uma obra de relêvo para a discussão da brasilidade em música (A Sinfonia de Alberto Nepomuceno, Recife, 1964).

Um marco no desenvolvimento de suas investigações no campo da musicologia histórica deu-se com a divulgação de suas pesquisas relacionadas com Luís Álvares Pinto (1719-1789) (Introdução ao "Te Deum laudamus" de L. Alvares Pinto, Recife, 1968; "Revelação de um compositor brasileiro do século XVIII", Yearbook/Inter-American Institute for Musical Research, Tulane University, 4, 1968, 82-87), por ele considerado como o "ponto culminante no que se refere ao desenvolvimento musical em Pernambuco". O Te Deum laudamus para coro e quatro vozes mistas e contínuo do compositor pernambuco foi executado e gravado em 1968, durante o IV Curso Internacional de Música de Curitiba, então sob a direção de Roberto Schnorrenberg (Rozenblit, CLP 80.032; "Obra colonial em primeira audição", O Estado de São Paulo, 21 de janeiro de 1968). Seguiram-se diversas apresentações da obra (por ex. em São Paulo, sob a regência de Luís Roberto Borges).

A obra do Pe. Jaime C. Diniz no campo da pesquisa histórico-musical revela impulsos recebidos através de um intenso relacionamento com Francisco Curt Lange. Na sua Nota Introdutória ("Lobo de Mesquita e os seus Cânticos do Sábado Santo") à edição dos "Quatro Tractus do Sábado Santo" de J.J. E. Lobo de Mesquita, descobertos e restaurados por Francisco Curt Lange (1964) (Recife: Coro Guararapes, 1979), Pe. Jaime Diniz referiu-se a pesquisas esporádicas em Minas Gerais e denominou F. Curt Lange de "o Pedro Álvares Cabral do nosso passado musical". O Nordeste foi, porém, a região à qual o Pe. Diniz dedicou a sua maior atenção. Nos traços bio-bibliográficos de Francisco Libânio Colás (ca. 1830-1885) que acompanham a edição, dedicada ao Maranhão, da Marcha Fúnebre Nr. 1 desse compositor (Recife: Coro Guararapes, 1979), Pe. Jaime C. Diniz aproveitou a oportunidade para, considerando obra publicada em São Paulo sobre música popular brasileira, dar vazão a ferino senso crítico e ironia que muitas vezes deixou transparecer nos seus escritos.

Musicos PernambucanosEle mesmo descreveu a evolução de suas investigações referentes ao passado musical de Pernambuco no primeiro dos três volumes dos "Músicos Pernambucanos do Passado" (Recife, 1969-1979):

"Levado pela necessidade de conhecer alguma coisa sôbre o nosso passado musical, venho estudando, há sete anos, tôdas as fontes que possam trazer alguma informação relacionada com a vida musical do Recife e de Pernambuco em geral. (...) Para quem nada conhecia a respeito da história da música em Pernambuco, ficaria satisfeito em apenas conhecer algumas dezenas de músicos pernambucanos que atuaram no passado. Tudo foi além, graças a Deus. Revelaria, hoje, que andei anotando a existência de algumas centenas, ou mais precisamente, um pouco mais de 600 (seiscentos) (...). 'Músicos Pernambucanos do Passado', mesmo que chegasse a ultrapassar os três tomos programados, não poderá esgotar o elenco de nossos artistas contemplados, com alguns traços de sua biografia ou de sua atividade, se algum dia eu vier a escrever os desejados 'Dicionário dos Músicos Pernambucanos' e a 'História da Música em Pernambuco'." (I Tomo, 1969, 14)

Organistas da BahiaEm 1971, Pe. Jaime Diniz publicou "Velhos organistas da Bahia, 1559-1745" (Universitas 10, 1971, 5-42), no ano seguinte, "Uma notícia sobre a música no Brasil dos séculos XVI e XVII" (Estudos Universitários, Pernambuco, 12/2, 1972, 41-57). Em edição comemorativa pela passagem do 258° aniversário de nascimento de Luiz Álvares Pinto, publicou, em 1977, a "Arte de Solfejar" do Mestre de Capela da Igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife (Luiz Álvares Pinto, Arte de Solfejar, Coleção Pernambucana, 9, Recife, 1977); a edição desse tratado foi acompanhada de um erudito estudo preliminar. Novas considerações sobre essa importante obra ofereceu Pe. Jaime Diniz no seu artigo "A música em Pernambuco no século XVIII" (Cultura 8/30, 1978, 79-84).

Em 1986, publicou, como fruto de vários anos de pesquisas, um livro dedicado ao compositor Joseph Fachinetti (Um compositor italiano no Brasil: Joseph Fachinetti, Salvador, 1986); já em trabalho publicado em 1980 (Notas sobre o piano e seus compositores em Pernambuco) tinha o Pe. Diniz afirmado que Fachinetti seria "provavelmente a maior figura de músico do Recife em meados do século XIX. A maior, pelos conhecimentos, pela ambição de sua obra... pelo saber humanístico e não apenas musical". No mesmo ano de 1986, treze anos após a publicação do seu estudo "Velhos organistas da Bahia, 1559-1745), apresentou o livro "Organistas da Bahia, 1750-1850", obra em que dá notícias sobre vários nomes até o momento desconhecidos na História da Música do Brasil.

A convite do autor dessas linhas, o Pe. Jaime Diniz tomou parte ativa no Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" (1981) e na fundação da Sociedade Brasileira de Musicologia, pronunciando discurso inaugural na Sala da Independência do Museu Paulista. Nesse discurso, salientou a importância do Nordeste na História da Música do Brasil. Há muito sonhara o Pe. Jaime Diniz com uma institucionalizaçnao da disciplina no Brasil:

"Quando fundei o Curso de Música na UFPe., pensava nisso. Depois, nada se fez. Continuam, no Brasil, Escolas e escolinhas de Universidades a serem, como eu dizia há mais de vinte anos, conservatórios apadrinhados pela Universidade. Por que não se tenta voltar às origens? Para não dizer, aos modêlos europeus?" (...) Você lembrou, no artigo do Boletim, trecho da Cleofe: fruto direto, ou indireto, de várias conversações minhas com ela e a Mercedes, em fins da década de 60. Na verdade, fui ao Rio articular uma Sociedade (ou Centro) de pesquisas e estudos musicológicos." (carta a A. A.Bispo de 3 de janeiro de 1984; Na época (1968) fundava-se o Centro de Pesquisas em Musicologia, em São Paulo)

Carta a A.A.Bispo
Da correspondência com A. A. Bispo, 1983
Acervo ISMPS-IBEM
Infelizmente, o pronunciamento do Pe. Jaime Diniz por ocasião da fundação da SBM, por razões difíceis de serem explicadas, não foi incluído no Boletim N°. 1 da sociedade por aqueles que tinham tido a incumbência de publicar os manuscritos no Brasil. Com razão, o Pe. Jaime Diniz acusou a lamentável falha:

"O (....), que tem sido demasiado atencioso para comigo, por duas vezes tentou desculpar de o Boletim não ter publicado o meu insignificante discursinho, na instalação da Sociedade e de não lhe ter feito nenhuma alusão. A história da fundação ficou falseada ..." (carta a A. A. Bispo de 13 de dezembro de 1983)

Essa falha do Boletim Nr. 1 (exposta aos leitores no Boletim N° 2) foi vista, pelo Pe. Jaime Diniz, como expressão de uma atitude típica do sul do país e de grupos ligados a uma tradição local de "genialidade" à Mário de Andrade:

"Vivo distante do sul maravilha (e faço muito bem), onde os do norte não têm vez, a não ser que seja gênio, ou se faça de (Esta maneira de escrever lembra Mário de Andrade, não?)" (carta cit.).

O Pe. Jaime Diniz empenhou-se de forma particular pela eleição do Dr. José Geraldo de Souza a presidente da SBM:

"Para mim o nome único para Presidente de uma Sociedade que nasceu em São Paulo." (carta cit.)

Na época da instalação da SBM foi projetada a organização de uma sucursal da sociedade no Nordeste do Brasil e que ficaria sob a direção do Pe. Jaime C. Diniz. Esse projeto, infelizmente, o musicólogo pernambucano não pôde chegar a concretizar pela difícil fase de abatimento que vivenciou:

"Renunciei a posições invejáveis: conselheiro do Arquivo Público de Pernambuco, e seminarista do Seminário de Tropicologia, de Gilberto Freyre" (...) É o que não tem me faltado, apoio; palavras generosas de grandes amigos, a começar do Curt Lange, da Helza Cameu etc. Todos me abalam, me comovem. De tão ativo, passei à marginalidade, escondido, calado. Não deixei os meus estudos. Escuto música como nunca. Antes, já me faltava tempo para essa importante atividade. Tentei um trabalho - uma ligeira empolgação - sobre antigos organistas da Bahia, mas não cheguei ao fim. Necessitava alguns dias em Salvador para tentar, ainda uma vez, arquivos inacessíveis. Parei. Trabalhar no Brasil é coisa de doido... Até hoje, só fiz gastar dinheiro, tempo, para tão pouco e tão desprestigiado lavor." (carta cit.)

 

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